Sinopse (Submarino): A trama de Carter e o Diabo se desenrola na São Francisco da Era do Jazz, época em que os Estados Unidos vivenciavam uma relação apaixonada com a mágica e os ilusionistas. O romance inicia com o presidente dos Estados Unidos, Warren G. Harding, aceitando ser voluntário numa performance do mágico Charles Carter. A participação do presidente no show foi um sucesso até que, duas horas após o espetáculo, é encontrado morto num quarto de hotel. Conhecido como Carter, o Grande, um mágico muito talentoso, cujas habilidades equivalem à do lendário Houdini, o jovem era apaixonado por sua arte, inspirada pelo desespero e pela solidão. Com a morte do presidente, todo o país se pergunta o que de fato aconteceu durante o truque. Principal suspeito do assassinato, Carter precisa deixar o país e descobrir a verdade por trás da morte para limpar seu nome e salvar sua carreira, que já começava a ser ameaçada pelo cinema. Temperando a ficção com a dose certa de obscuros fatos históricos, Gold revela ao leitor o passado de Charles Carter, começando por seu interesse em mágicas e seus enormes esforços para tornar-se famoso e respeitado. A fuga do mágico e os diversos caminhos para a resolução do crime nos levam por uma viagem fascinante construída pelo autor: Carter é perseguido por agentes do FBI, apaixona-se por uma bela e cega mulher, trava um embate com um antigo rival, encontra piratas, cientistas e espiões. Crítica (Minha): É um livro movimentado mas que não se furta de desenvolver bem os personagens, sempre com um clima de mistério e surpresa, da primeira à última págima. Eu o li essa semana e recomendo. Glen David Gold é um autor a se ficar de olho. |
quinta-feira, 31 de agosto de 2006
Carter e o Diabo
A Dama na Água (Trailer legendado)
Promete. Tou na fila!
The Covenant
A Sony Pictures colocou no site oficial do filme The Covenant (aqui) os três primeiros minutos do filme de terror.
O filme é uma adaptação da HQ de Aron Coleite, publicada pela editora Top Crow nos EUA. A história começa em 1692, na colônia Ipswich, em Massachusetts. Cinco famílias fazem um pacto para manter em segredo seus poderes. Quando uma delas rompe o acordo, é banida. Anos mais tarde, quatro jovens descendentes das famílias originais são ameaçados por um inimigo oriundo do clã expulso, sobre o qual eles não sabem nada.
Dirigido por Renny Harlin( Cruz credo) , The Convenat estréia em setembro nos EUA e no dia 20 de outubro por aqui.
Abaixo, a capa do quadrinho, bem mais soturna e interessante que o cartaz do filme.
A dama na água
A Dama na Água
Por Marcelo Hessel
31/8/2006
A dama na água (Lady in the Water, 2006) é o pior filme escrito e dirigido por M. Night Shyamalan desde O sexto sentido (1999), mas é também o mais divertido. É o mais auto-indulgente, daqueles que se curvam para enxergar melhor dentro do próprio umbigo, mas é também o mais auto-paródico, dos que sabem rir de si mesmos. Conflitante? Pois o próprio cineasta não deixa de ser uma contradição - e o processo entre a concepção e o lançamento do filme é emblemático.
No ano passado Shyamalan brigou com a Disney - por onde lançou O sexto sentido, Corpo fechado (2001), Sinais (2003) e A vila (2005) - em nome da sua independência de criador. Há anos ele tenta fugir do estigma das "surpresas" do suspense (A Vila é incompreendido justamente porque todos só prestam atenção na famigerada reviravolta no roteiro, nunca nas soluções de direção), e há anos o público sempre espera dele um novo O sexto sentido. Agora sediado na Warner Bros., A dama na água deveria representar uma nova fase. Uma fase em que as pessoas deixariam, enfim, de enxergar Shyamalan antes de atentar para o seu trabalho. E o que ele faz? Forra o filme de si mesmo.
Para ser justo, Shyamalan já atuava em seus longas, em condição de protagonista, desde Praying with Anger, sua estréia, em 1992. O que conta na prática, porém, é o período pós-99 - e mesmo em Sinais o papel de Shyamalan na trama não era tão destacado. Aqui o seu núcleo dramático conflita com o principal. Na trama, um zelador chamado Cleveland Heep (Paul Giamatti) resgata uma misteriosa jovem (Bryce Dallas Howard) da piscina do prédio e descobre que ela é uma ninfa de contos de fadas tentando voltar pra casa. Shyamalan vive Vick, escritor de obra inacabada que, ao ter contato com a ninfa, vê seu futuro se iluminar.
O fato de Vick receber a notícia de que escreverá o livro que influenciará o futuro presidente dos Estados Unidos já entra no citado terreno do humor. É Shyamalan fazendo piada com o jeito de Shyamalan enxergar o mundo como uma roda de predestinações. O problema é a maneira como o cineasta sequestra a fábula de A dama na água para chorar a sua condição de incompreendido e seu complexo de perseguição.
É engraçado ver sofrer um crítico de cinema transformado em personagem? Sem dúvida. Mas se o diretor indiano quer seguir adiante com a sua obra, piadinha de metalinguagem não é o melhor caminho. Na história, o personagem de Giamatti zela pelos cuidados com a ninfa como se ela sofresse de descrença geral - a humanidade, em suma, desaprendeu a usar a imaginação. Shyamalan age como se a fábula fosse um gênero desacreditado. É uma situação cômoda, um mártir de véspera. Qualquer Guillermo Del Toro prova que uma fábula não precisa se reafirmar como tal para ter credibilidade.
Não é o fim do mundo, claro. A dama na água ainda é melhor do que o grosso da produção de Hollywood. No filme há conceito (a idéia do condomínio como um pequeno mundo que precisa achar seu equilíbrio se completa, politicamente, com as images da Guerra do Iraque na TV) e há arrojo formal. Se o roteiro peca pelo retrocesso (a história do herói em busca de redenção, igualzinha à de Sinais, já havia sido superada em A Vila), sua construção de imagens é impecável. Poucos nos EUA manjam de enquadramento como Shyamalan, no sentido de utilizar profundidade e ponto focal como formas de criar suspense. A cena em que a ninfa sai da água pela primeira vez é exemplo disso: os olhos do espectador acompanham o zelador ao fundo, enquanto ela surge desavisada em primeiro plano.
Ver Shyamalan filmar é a parte mais divertida - afinal, ele entende do que faz. Mas, de certa maneira, o fato de sabermos que Shyamalan está ali, que aquelas são as suas marcas, é parte do dilema. Nem o próprio diretor parace se contentar mais com aquilo que já conhece. Será ótimo quando ele perceber que, por questão de sobrevivência artística, o importante será marcar um recomeço. E começar de novo envolve risco, não autodefesa.
terça-feira, 29 de agosto de 2006
segunda-feira, 28 de agosto de 2006
Charles Baudelaire e O Vampiro
(Charles Baudelaire)
Tu que, como uma punhalada,
Em meu coração penetraste,
Tu que, qual furiosa manada
De demônios, ardente, ousaste,
De meu espírito humilhado,
Fazer teu leito e possessão
- Infame à qual estou atado
Como o galé ao seu grilhão,
Como ao baralho o jogador,
Como à carniça ao parasita,
Como à garrafa ao bebedor
- Maldita sejas tu, maldita!
Supliquei ao gládio veloz
Que a liberdade me alcançasse,
E ao veneno, pérfido algoz,
Que a covardia me amparasse.
Ai de mim! Com mofa e desdém,
Ambos me disseram então:
"Digno não és de que ninguém
Jamais te arranque a escravidão,
Imbecil! - se de teu retiro
Te libertássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!
(Tradução de Guilherme de Almeida e Ivan Junqueira)
P.S. Agradecimentos ao pessoal do site:www.spectrumgothic.com.br
A abertura dessa série, como tudo mais que a envolvia, era magistralmente planejada, de modo a situar quem assiste na época e no contexto da trama, que se passava no começo do século e envolvia a luta do bem contra o mal. Uma ótima série, bem escrita, que infelismente durou apenas duas temporadas e hoje vive de reprises. Da HBO.
O Motoqueiro Fantasma
Ah, pra ver o blog-video, é só clicar no link.
domingo, 27 de agosto de 2006
As Palavras de William Blake
O Tigre
(William Blake)
Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo de teus olhos ?
Sobre que asas se atreveu a ascender ?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo ?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração ?
E quando teu coração começou a bater,
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui ?
Que martelo te forjou ? Que cadeia ?
Que bigorna te bateu ? Que poderosa mordaça
Pôde conter teus pavorosos terrores ?
Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver sua criação ?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou ?
Tigre, tigre, que flamejas
Nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?
Morte, a irmã de Sandman
A Conrad editora acaba de colocar em pré-venda, em uma única e caprichada edição (capa dura e papel nos mesmos moldes de Sandman) as duas mini-séries da Morte: O Grande Momento da Vida e O Alto Preço de Viver. Vem ainda com uma história curta e inédita no Brasil. Yeah. Custa 60 paus (ai meu bolso!), mas quem conhece sabe que vale.
sexta-feira, 25 de agosto de 2006
Adaptação para a tela grande da série dos anos 80, feita pelo Co criador da mesma, Michael Mann (Colateral, Fogo contra Fogo), que transformou a série brega num policial denso, realista e violento, que foge dos clichês e promete uma experiência de primeira. Estréia hoje em um cinema aí perto da sua casa.
quinta-feira, 24 de agosto de 2006
Rubem Fonseca diz
A LITERATURA DE FICÇÃO MORREU? (Mais uma vez)
Em artigo inédito, Rubem Fonseca mostra que o papo de que a literatura morreu, atropelada pelo automóvel, pelo cinema ou, agora, pela internet, não passa de balela.
Muito antes de publicar o meu primeiro livro eu já ouvia dizer que o romance e o conto estavam mortos. Parece que a primeira morte teria sido anunciada ainda em 1880, não obstante, como todos sabem, Emily Dickinson, Tchekov, Proust, Joyce, Kafka, Maupassant, Henry James, o nosso Machado, Eça, Mallarmé, as Bronte, Fernando Pessoa (um pouco mais tarde) estivessem ativos naquela época.
No início do séc. XX, com o lançamento, por Henry Ford, do Ford Model T, um automóvel popular, construído numa linha de montagem, um carro barato que em poucos anos vendeu mais de quinze milhões de unidades, as Cassandras afirmaram que agora a literatura de ficção, na qual se incluía a poesia, estava mesmo com os dias contados. Dentro de pouco tempo todas as pessoas teriam automóvel e usariam o carro para passear, fazer compras, namorar em vez de ficarem em casa lendo. Ou porque não soubessem o que lhes reservava o futuro, ou lá porque fosse, o certo é que muitos escritores, como Yeats, Benavente, Galsworthy, Selma Lagerlof, Rilke, Kavafis, Edna St. Vincent Millay continuaram escrevendo, e talvez até mesmo tivessem um Model T na garagem deles.
Nova anunciação mortal veio logo em seguida, causada pelo cinema, denominado de Sétima Arte. Uma pesquisa da época mostrou que em cada 100 pessoas 80 freqüentavam o cinema e 2 (duas!) liam livros de ficção. Agora mesmo é que a literatura, enfim, havia morrido. Desta vez não tinha salvação. Mas Sinclair Lewis, Thomas Mann, Bunin, Céline, Ana Akhmatova, O'Neill, Pirandello, e muitos outros não sabiam disso. (Os dois últimos são autores de teatro, mas o teatro começou a morrer antes).
Depois nova morte foi profetizada, quando do advento da televisão. Mas William Faulkner, Eliot, Gide, Hesse, Quasimodo, Pasternak, Camus, Hemingway, Beckett, Seferis, Kawabata, Mauriac, Steinbeck e muitos mais não pararam de escrever. Que diabo, esses caras não liam os jornais? Não sabiam que a literatura de ficção havia morrido?
Afinal veio o golpe de misericórdia: o computador e a Internet. Era a pá de cal. Mas o que estava acontecendo? Quem são (ou eram) esses loucos escrevendo poesia e romance – Carlos Drummond de Andrade, Czeslaw Milosz, João Cabral, Pablo Neruda, Montale, Heinrich Böll, Saul Bellow, Isaac Bashevis Singer, Octavio Paz, Brodsky, García Márquez ("se você diz que o romance está morto, não é o romance, é você que está morto"), Canetti, Günter Grass, Kenzaburo Oe, Saramago, João Ubaldo, Ferreira Gullar e um montão de outros? O que na realidade está acontecendo?
Existem muitos estudos interessantes e extensos sobre o assunto, como o da ensaísta Leila Perrone-Moisés, em seu livro Altas literaturas (Companhia das Letras, 1998). Uma coisa talvez esteja acontecendo: a literatura de ficção não acabou, o que está acabando é o leitor. Poderá vir a ocorrer este paradoxo, o leitor acaba mas não o escritor? Ou seja, a literatura de ficção e a poesia continuam existindo, mesmo que os escritores escrevam apenas para meia dúzia de gatos pingados?
Kafka escrevia para um único leitor: ele mesmo. Recordo Camões. Ele era um arruaceiro, e acabou na prisão, ou por motivos de suas rixas ou por ter se envolvido com a infanta Dona Maria, irmã do rei João III. Para obter o perdão do rei ele propôs-se a servi-lo na Índia, como soldado. Lá ficou 16 anos e, afinal, a bordo de um navio voltou para Portugal, acompanhado de uma jovem indiana, que ele amava, e a quem dedicou o lindo soneto "Alma minha gentil, que te partiste". O navio naufragou e Camões só pensou, durante o naufrágio, em uma coisa: salvar o manuscrito dos Lusíadas e dos seus poemas. Deixou a mulher amada morrer afogada (confesso que especulo), e perdeu todos os seus bens, mas salvou os seus manuscritos. Para quem ler? Estávamos no século 16 e muita pouca gente em Portugal sabia ler. Mas Camões pensou nesse punhado de leitores, era para eles que Camões escrevia, não importava quantos fossem eles.
Os leitores vão acabar? Talvez. Mas os escritores não. A síndrome de Camões vai continuar. O escritor vai resistir.
P.s. Retirado do site de Rubem Fonseca: http://portalliteral.terra.com.br/rubem_fonseca/index.htm
quarta-feira, 23 de agosto de 2006
Lord Byron e as Trevas em sua Alma
Trevas
(Lord Byron)
Eu tive um sonho que não era em todo um sonho
O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas
Vagueavam escuras pelo espaço eterno,
Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra
Girava cega e negrejante no ar sem lua;
Veio e foi-se a manhã - Veio e não trouxe o dia;
E os homens esqueceram as paixões, no horror
Dessa desolação; e os corações esfriaram
Numa prece egoísta que implorava luz:
E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos,
Os palácios dos reis coroados, as cabanas,
As moradas, enfim, do gênero que fosse,
Em chamas davam luz; As cidades consumiam-se
E os homens juntavam-se junto às casas ígneas
Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro;
Felizes enquanto residiam bem à vista
Dos vulcões e de sua tocha montanhosa;
Expectativa apavorada era a do mundo;
Queimavam-se as florestas - mas de hora em hora
Tombavam, desfaziam-se - e, estralando, os troncos
Findavam num estrondo - e tudo era negror.
À luz desesperante a fronte dos humanos
Tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos
Neles batiam os clarões; alguns, por terra,
Escondiam chorando os olhos; apoiavam
Outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam;
Muitos corriam para cá e para lá,
Alimentando a pira, e a vista levantavam
Com doida inquietação para o trevoso céu,
A mortalha de um mundo extinto; e então de novo
Com maldições olhavam para a poeira, e uivavam,
Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos
E cheias de terror voejavam junto ao solo,
Batendo asas inúteis; as mais rudes feras
Chagavam mansas e a tremer; rojavam víboras,
E entrelaçavam-se por entre a multidão,
Silvando, mas sem presas - e eram devoradas.
E fartava-se a Guerra que cessara um tempo,
E qualquer refeição comprava-se com sangue;
E cada um sentava-se isolado e torvo,
Empanturrando-se no escuro; o amor findara;
A terra era uma idéia só - e era a de morte
Imediata e inglória; e se cevava o mal
Da fome em todas as entranhas; e morriam
Os homens, insepultos sua carne e ossos;
Os magros pelos magros eram devorados,
Os cães salteavam seus donos, exceto um,
Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava
Em guarda as bestas e aves e famintos homens,
Até a fome os levar, ou os que caíam mortos
Atraírem seus dentes; ele não comia,
Mas com um gemido comovente e longo, e um grito
Rápido e desolado, e relambendo a mão
Que já não o agradava em paga - ele morreu.
Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois,
Dois inimigos que vieram a encontrar-se
Junto às brasas agonizantes de um altar
Onde se haviam empilhado coisas santas
Para um uso profano; eles a resolveram
E trêmulos rasparam, com as mãos esqueléticas,
As débeis cinzas, e com um débil assoprar
E para viver um nada, ergueram uma chama
Que não passava de arremedo; então alçaram
Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram
O rosto um do outro - ao ver gritaram e morreram
- Morreram de sua própria e mútua hediondez,
- Sem um reconhecer o outro em cuja fronte
Grafara o nome "Diabo". O mundo se esvaziara,
O populoso e forte era uma informe massa,
Sem estações nem árvore, erva, homem, vida,
Massa informe de morte - um caos de argila dura.
Pararam lagos, rios, oceanos: nada
Mexia em suas profundezas silenciosas;
Sem marujos, no mar as naus apodreciam,
Caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem,
Dormiam nos abismos sem fazer mareta,
mortas as ondas, e as marés na sepultura,
Que já findara sua lua senhoril.
Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens
Tiveram fim; a escuridão não precisava
De seu auxílio - as trevas eram o Universo.
(Tradução de Castro Alves)
Um conto de H.P. Lovecrat
O Depoimento de Randolph Carter
H.P. Lovecraft
Repito-vos, cavalheiros, que vosso interrogatório é inútil. Detende-me aqui para sempre, se quiserdes; prendei-me ou executai-me se tendes necessidade de uma vítima para propiciar a ilusão a que chamais justiça. Não posso, porém, dizer mais do que já disse. Contei-vos, com toda a sinceridade, tudo de que me lembro. Nada foi distorcido ou escamoteado, e se alguma coisa permanecer vaga, é apenas devido à nuvem escura que caiu sobre meu espírito - essa nuvem e a natureza nebulosa dos horrores que a fizeram abater-se sobre mim.
Digo mais uma vez: não sei do que foi feito de Harley Warren, embora pense – quase rezo para isso - que ele está em oblivio pacífico, se é que existe, em algum lugar, coisa tão bem aventurada. É verdade que por cinco anos fui seu melhor amigo e que, em parte compartilhei de suas terríveis pesquisas sobre o desconhecido. Não negarei, conquanto minha memória esteja insegura e vaga, que essa vossa testemunha nos possa ter visto juntos, na estrada de Gainsville, caminhando na direção do Pântano do Cipreste Grande às onze e meia daquela noite tenebrosa. Que levávamos lanternas elétricas, pás e um curioso rolo de fio, a que se prendiam certos instrumentos, eu mesmo me disponho a afirmar, pois todas essas coisas desempenharam um papel importante naquela cena hedionda que continua gravada à fogo em minha memória abalada. Mas com relação ao que se seguiu e ao motivo pelo qual fui encontrado sozinho e aturdido na margem do pântano, na manhã seguinte, devo insistir em que nada sei, salvo o que já vos narrei repetidamente. Dizei-me que nada existe no pântano ou em suas proximidades que pudesse constituir o cenário daquele episódio aterrador. Respondo que que eu nada sabia além do que vi. Visão ou pesadelo, pode ter sido - e visão ou pesadelo espero desesperadamente que tenha sido - mas, no entanto, é tudo o quanto minha mente reteu do que ocorreu naquelas horas chocantes depois que saímos da vista dos homens. E por que Harley Warren não voltou, somente ele ou seu espectro - ou alguma coisa inominável que não sei descrever - poderão dizer.
Como já tive ocasião de afirmar, eu conhecia bem, e de certa forma dividia, os estudos fantásticos de Harley Warren. De sua vasta coleção de livros estranhos e raros sobre temas interditos, li todos os escritos nas línguas que domino, contudo esses são poucos em comparação aos escritos em idiomas que desconheço. Na maioria, acredito, são em árabe; e o compêndio de demoníaca inspiração que acarretou a tragédia - o livro que levava no bolso ao abandonar o mundo - estava escrito em caracteres que jamais vi em parte alguma. Warren jamais se dispôs a me dizer o que havia naquele livro. Quanto à natureza de nossos estudos... precisarei repetir ainda uma vez que já não conservo deles plena compreensão? Parece-me até misericordioso que seja assim, pois eram estudos terríveis, que eu levava a cabo mais por relutante fascinação que por inclinação verdadeira. Warren sempre me dominou e às vezes eu o temia. Lembro-me como estremeci ante sua expressão facial na noite anterior ao fato hediondo, enquanto ele falava sem cessar de sua teoria - por que certos cadáveres nunca se decompõem mas permanecem íntegros em suas tumbas por mil anos. No entanto, já não o temo mais, pois suspeito que ele conheceu horrores além do meu alcance. Agora temo por ele.
Mais uma vez repito: não tenho nenhuma lembrança clara de nosso intuito naquela noite. Decerto teria muito a ver com o livro que Warren levava consigo - aquele livro antigo, num alfabeto indecifrável e que lhe chegara da Índia um mês antes - mas juro que não sei o que esperávamos encontrar. Vossa testemunha declara que nos viu às onze e meia na estrada de Gainsville, seguindo na direção do Pântano do Cipreste Grande. É provável que isso seja verdade, mas não me lembro com nitidez. A imagem cauterizada em minha alma é apenas de uma cena, e deve ter sido bem depois da meia noite, pois se via uma pálida lua crescente no céu vaporoso.
O lugar era um cemitério antigo. Tão antigo que eu me sobressaltava ante os inúmeros indícios de anos imemoriais. Era numa depressão profunda e úmida, coberta de mato alto, musgo e curiosas ervas rasteiras, envolvido por um vago fedor que minha fantasia ociosa associava absurdamente a pedras putrefatas. Por toda a parte havia sinais de abandono e decrepitude e eu parecia perseguido pela idéia de Warren: nós éramos as primeiras criaturas vivas a invadir um silêncio letal de séculos. Sobre a borda do vale, uma lua crescente, lânguida e enlanguescente, espreitava através dos vapores repulsivos que pareciam emanar de catacumbas ignotas, e seus raios débeis e bruxuleantes faziam-me discernir um aglomerado repelente de lápides, urnas, cenotáfios e mausoléus, todos esboroantes, cobertos de musgo e manchados de umidade, e em parte ocultos pela luxuriância obscena da vegetação insalubre.
A primeira impressão vívida que tenho de minha própria presença nessa necrópole terrível refere-se ao ato de deter-me com Warren diante de um certo sepulcro semi obliterado e de arrojar em seu interior certos fardos que, aparentemente estivéramos carregando. Notei então que trazia comigo uma lanterna elétrica e duas pás, ao passo que meu companheiro portava uma lanterna semelhante e um aparelho telefônico portátil. Não se disse qualquer palavra, pois o local e a missão pareciam-nos conhecidos. E sem delongas tomamos das pás e começamos a afastar as ervas, a grama e a terra da cova rasa e arcaica. Após expormos toda a sua superfície, que consistia em três imensas lages de granito, recuamos alguns passos para examinar o ossuário. Warren parecia estar fazendo alguns cálculos mentais. Depois voltou ao sepulcro e, usando a pá como alavanca, tentou erguer a laje que ficava mais próxima de uma ruína de pedra e que pode ter sido outrora um monumento. Não conseguindo seu intento, fez um gesto para que eu o auxiliasse. Por fim, nossos esforços combinados fizeram com que a pedra se soltasse. Levantamo-la e a arredamos do lugar.
Com a remoção da laje, ficou à vista uma abertura negra, da qual irrompeu um efluxo de gases miasmáticos, tão nauseantes que saltamos para trás, tomados de horror. Após um intervalo, entretanto, aproximamo-nos novamente da cova e achamos as exalações menos intoleráveis. Nossas lanternas revelaram o alto de um lance de degraus, dos quais gotejava um licor repugnante e que eram delimitados por paredes úmidas recobertas de bolor. E agora, pela primeira vez minha memória registra emissão de palavras. Warren falava-me longamente, em sua cálida voz de tenor, uma voz singularmente incólume ao ambiente lúgubre.
"Peço perdão por pedir-te que permaneças na superfície", disse ele, "mas seria criminoso permitir que alguém de nervos tão frágeis descesse até lá. Não podes imaginar, mesmo pelo que leste e pelo que eu te disse, as coisas que terei de ler e de fazer. Trata-se de um trabalho diabólico, Carter , e duvido que algum homem que não tenha a sensibilidade empedernida pudesse ver aquelas coisas e voltar vivo e são. Não é desejo ofender-te e Deus sabe o quanto eu gostaria de levar-te comigo. Mas de certa forma a responsabilidade é minha e eu não seria capaz de arrastar um feixe de nervos como tu à morte ou à loucura quase certa. Digo-te, não podes imaginar o que seja realmente a coisa! Mas prometo manter-te informado de cada passo meu pelo telefone - vês que disponho de fio suficiente para chegar ao centro da terra e voltar!"
Ainda ressoam em minha memória essas palavras, pronunciadas tranquilamente. E ainda me recordo de meus protestos. Eu parecia desesperadamente ansioso por acompanhar meu amigo para aquelas profundezas sepulcrais, mas ele se mostrava de uma obstinação inflexível. A certo momento ameaçou abandonar a expedição caso eu insistisse. A ameaça tinha peso, pois só ele possuía a chave do que procurávamos. De tudo isso ainda me lembro, muito embora já não saiba que espécie de coisa buscávamos. Depois de haver obtido minha relutante aquiescência a seu plano, Warren pegou o rolo de fio e ajustou seus instrumentos. A um gesto seu, peguei um destes e sentei-me numa lápide vetusta e descolorida, junto da abertura recém-exposta. Depois ele apertou-me a mão, sobraçou o rolo de fio e desapareceu naquele indescritível ossuário.
Durante um minuto ainda percebi o brilho da lanterna e escutei o roçagar do fio, enquanto Warren o estendia pelo chão; mas o brilho da luz sumiu repentinamente, como se ele houvesse dobrado uma esquina na escada de pedra e quase ao mesmo tempo o som cessou igualmente. Eu estava só, porém ligado às profundezas desconhecidas por aqueles cordéis mágicos cuja superfície isolada verdejava sobre os raios esforçados do exangue quarto - crescente.
A cada momento eu consultava o relógio, à luz da lanterna elétrica e, tomado de ansiedade febril, procurava ouvir alguma coisa no receptor do telefone. Entretanto, durante mais de um quarto de hora nada ouvi. Então o instrumento emitiu um estalido e eu chamei meu amigo com voz tensa. Por apreensivo que me sentisse, eu não estava preparado entretanto para as palavras que subiram daquela cova hedionda, em tons mais alarmados e hesitantes do que eu já havia escutado de Harley Warren. Ele, que se despedira de mim com tamanha calma havia pouco, agora me chamava lá de baixo num sussurro titubeante, mais pressagio que um grito sonoríssimo:
"Meu Deus! Se pudesse ver o que estou vendo!"
Não pude Responder. Mudo, só fiz esperar. Ouvi novamente as palavras agitadas:
Carter, é terrível... monstruoso... inacreditável!"
Dessa vez a voz não me faltou e despejei no aparelho um jorro de indagações excitadas. Aterrorizado, não cessava de repetir:"Warren, o que foi? O que foi?"
Mais uma vez escutei a voz de meu amigo, ainda repassada de medo e agora aparentemente impregnada de desespero:
"Não posso dizer-te, Carter! É demasiado incrível... não ouso contar... nenhum homem poderia saber e sobreviver... Santo Deus! Jamais sonhei com isso!"
Voltou o silêncio, apenas quebrado pela torrente de perguntas sobressaltadas que eu fazia. Ouvi então novamente a voz de Warren, num tom de delirante consternação:
"Carter! Pelo amor de Deus, repõe a Laje no lugar e sai disso se puderes! Deixa tudo mais e corre... é tua última oportunidade! Faz o que eu digo e não peça explicações!"
Eu escutava, mas só conseguia repetir minhas perguntas frenéticas. Em meu redor estavam as tumbas, a escuridão e as sombras; abaixo de mim, algum perigo que sobrepujava o alcance da imaginação humana. Mas meu amigo corria mais perigo que eu e sobre meu medo passou um vago ressentimento de que ele me julgasse capaz de abandoná-lo em tal situação. Novos estalidos e após uma pausa, ouvi o grito angustiado de Carter:
"Manda-te! Pelo amor de Deus, põe a laje no lugar e te manda, Carter!"
Alguma coisa na gíria juvenil de meu companheiro, evidentemente transtornado, liberou minhas faculdades. Formei e gritei uma resolução, "Warren, agüenta! Vou descer!" No entanto, diante dessa proposta o tom de meu interlocutor transformou-se num grito de completo desespero:
"Não! Não compreendes! É tarde demais... e por minha própria culpa. Põe a laje no lugar e corre... não há mais nada que tu ou outra pessoa possa fazer!"
Seu tom de voz mudou novamente, adquirindo dessa vez mais suavidade, como que traduzindo resignação sem esperança. Contudo, para mim ele permanecia tenso de ansiedade.
"Depressa... antes que seja tarde demais!"
Tentei não lhe dar ouvidos. Tentei quebrar a paralisia que me detinha e cumprir minha promessa de descer para ajudá-lo. Seu próximo murmúrio, todavia, ainda me encontrou inerte, preso de puro horror.
"Carter... corre! Não adianta... tens de ir... antes um que dois... a laje..."
Uma pausa, mais estalidos, e depois a voz débil de Warren:
"Quase acabado agora... não dificultes ainda mais... cobre esses degraus malditos e foge para salvar a vida... estás perdendo tempo... adeus, Carter... não voltarei a ver-te."
Nesse ponto, o murmúrio de Warren converteu-se em grito, um grito que aos poucos se transmudou em uivo, carregado de todo o horror das eras...
"Malditas coisas infernais... legiões... meu Deus! Manda-te! Manda-te! TE MANDAAAAA!!!
"Depois disso, caiu o silêncio. Ignoro por quantos éons permaneci sentado ali, estupefato. Sussurrando, murmurando, gritando, berrando naquele telefone. Vezes sem conta, no transcurso daqueles éons, sussurrei, murmurei, chamei, gritei e berrei "Warrren! Warren; Responde... estás aí?
Foi então que sobreveio o cúmulo do horror... a coisa inacreditável, inimaginável, quase impronunciável. Já disse que foi como se passassem éons depois de Warren emitir sua derradeira advertência desesperada, e que apenas meus gritos quebravam agora o silêncio horrífico. Contudo depois de algum tempo houve um novo estalido no telefone e eu apurei os ouvidos. Mais uma vez chamei: "Warren estás aí?, e como resposta ouvi aquilo que lançou essa nuvem sobre minha alma. Não tento, senhores, explicar aquilo... aquela voz... nem posso abalançar-me a descrevê-la em minúcia, uma vez que as palavras iniciais roubaram minha consciência e criaram um vazio mental que se estende ao momento em que despertei no Hospital. Direi que a voz era profunda? Cava? Gelatinosa? Remota? Sobrenatural? Inumana? Desencarnada? Que direi? Ela marcou o fim de minha experiência e é o fim de minha história. Eu a escutei, e de nada mais tomei conhecimento... escutei-a enquanto permanecia sentado, petrificado naquele cemitério desconhecido do vale, em meio às pedras carcomidas e aos túmulos em ruínas, junto à vegetação pútrida e aos vapores miasmáticos... escutei-a subindo das profundezas mais absconsas daquele maldito sepulcro aberto, enquanto assistia à dança de sombras amorfas, necrófagas, à luz mortiça de uma lua exangue.
E o que ela disse foi:
"IDIOTA, WARREN ESTÁ MORTO.....!"
Gone, Baby Gone de Dennis Lehane
A mídia faz sua parte, divulgando boletins e repetidos apelos à população. Procurados pela tia de Amanda, os detetives Patrick Kenzie e Angela Gennaro, já com certa fama na cidade, julgam não ter muito a colaborar. Seriam, afinal, apenas mais duas pessoas entre as centenas em busca da menina.
No entanto, a dupla acaba aceitando o caso, pois, segundo o próprio Kenzie, é intolerável aceitar as palavras "desaparecida" e "quatro anos de idade" na mesma frase.
A investigação revela uma trama ainda mais complexa do que eles poderiam imaginar; não se trata apenas de um caso simples, mas de um crime que envolve traficantes e outros bandidos da pior espécie. Auxiliados por dois policiais da Brigada de Proteção às Crianças, os investigadores lutam contra o tempo para encontrar Amanda com vida.
Gone, Baby, Gone é o quarto romance protagonizado pela dupla Kenzie e Gennaro, já conhecida dos leitores de Um drink antes da guerra, Apelo às trevas, Sagrado (todos esses publicados pela Companhia das Letras) e Prayers for rain (inédito no Brasil).
Em Gone, Baby, Gone, Dennis Lehane mostra mais uma vez por que vem sendo considerado um dos novos mestre do gênero policial, na tradição de Dashiell Hammett e Raymond Chandler.
Com sua ótima mistura de drama e policial, Lehane nunca decepciona. Ótimo livro.
P.S. Li dois livros deste autor e já posso dizer que ele se tornou um dos meus favoritos.
Paciente 67 de Dennis Lehane
No verão de 1954, o xerife Teddy Daniels chega a Shutter Island com seu novo parceiro Chuck Aule. A dupla deverá investigar a fuga de uma interna do Hospital Psiquiátrico Ashecliffe, reservado a pacientes criminosos. Sem deixar vestígios, a assassina Rachel Solando escapou descalça de um quarto vigiado e trancado à chave. Os médicos, funcionários e enfermeiras da instituição não parecem dispostos a colaborar com a investigação. E as mentiras parecem vir diretamente do enigmático médico-chefe do hospital. O desaparecimento de Rachel traz à tona uma série de suspeitas sobre o hospital: com suas cercas eletrificadas e guardas armados, talvez ele não seja apenas mais um sanatório para criminosos. Surgem rumores de que uma abordagem radical e violenta da psiquiatria seria lá praticada - as suspeitas incluem desde terríveis experiências com drogas e cirurgias experimentais, até o desenvolvimento de instrumentos a serem usados na Guerra Fria. Enquanto isso, um furacão se aproxima da ilha, precipitando uma revolta entre os presos. Quanto mais perto da verdade Teddy e Chuck chegam, mais enganosa ela se torna. Em 2003, a Columbia Pictures comprou os direitos de adaptação para um filme que será dirigido por Wolfgang Petersen. O livro é realmente muito bom, com reviravoltas que até supreendem e um final nada convencional. Pronto. Falei demais. Fica a dica da leitura de um ótimo policial. |
Igreja Universal do Reino de Deus
Ainda tem gente (e muita) que dá dinheiro pra sustentar esses malandros!!!
Legião Urbana
Poeta, cantor, compositor. Renato Russo, inigualável!!!
Ventania
"Só para loucos, isso é só para loucos, caretas não". Voz rouca, poucas notas, mas o som é muito bom!
Vote Nele!!
Da até vontade de votar nele! hehehehehehehe. Excelente vídeo!