segunda-feira, 23 de julho de 2007

das palavras de ernest hemingway:



Colinas Parecendo Elefantes Brancos

As colinas por trás do vale do Ebro eram brancas e prolongavam-se no horizonte. Aqui, entretanto, não havia sombra ou árvores, e a estação ficava entre duas linhas de trem. O sol batia no prédio formando uma faixa estreita de sombra quente e uma cortina feita de bambu ficava na porta de entrada do bar, para manter as moscas afastadas. O homem americano e a garota que estava com ele escolheram uma mesa na sombra, do lado de fora do bar. Fazia muito calor e o expresso de Barcelona chegaria em quarenta minutos. Ele parava dois minutos na junção e então continuava seu trajeto, em direção a Madri.

- O que vamos beber? - a garota perguntou. Ela havia tirado o chapéu e colocado sobre a mesa.

- Está fazendo bastante calor - o homem comentou.

- Que tal uma cerveja?

- "Dos cervezas", o homem disse, em direção à cortina.

- Copos grandes? - a mulher perguntou da porta.

- Sim, dois copos grandes.

A mulher trouxe dois copos de cerveja e dois porta-copos. Ela os colocou sobre a mesa e olhou para o casal. A garota estava olhando na direção das colinas. Elas ficavam brancas no sol e o campo, marrom e seco.

- Elas se parecem com elefantes brancos - disse a garota.

- Nunca vi um - o homem tomou um gole de cerveja.

- Não, é claro que você não veria.

- Eu poderia ter visto - o homem replicou. O fato de você dizer que eu não veria não prova nada.

A garota olhou para a cortina de contas.

- Tem alguma coisa pintada ali - disse. O que diz?

- Anis del Toro. Uma bebida.

- Vamos experimentar?

O homem chamou, em direção à cortina:

- Ei!

A mulher saiu do bar.

- Quatro reales.

- Dois Anis del Toro, por favor.

- Com água?

- Você quer com água?

- Sei lá - respondeu a garota. Fica bom com água?

- Fica.

- Os dois com água? - perguntou a mulher do bar.

- É, com água.

- O gosto se parece com o de alcaçuz - a garota observou, e baixou o copo.

- É assim com todas as coisas.

- Sim - disse a garota - tudo tem sabor de alcaçuz. Principalmente as coisas que você espera muito tempo para conseguir, amargas como absinto.

- Ora! Pare com isso.

- Você começou - a garota falou. Eu estava me divertindo. Estava "numa boa".

- Ok, então vamos nos esforçar para manter tudo bem.

- Certo. Eu estava me esforçando. Eu disse que as colinas estavam parecendo com elefantes brancos. Não foi uma comparação inteligente?

- Claro que sim.

- Queria experimentar essa nova bebida. Isto é tudo o que fazemos, não é? Olhar para as coisas e experimentar bebidas diferentes.

- Acho que sim.

A garota olhou para o outro lado, para as colinas.

- São colinas muito bonitas - disse. Na verdade elas não se parecem com elefantes brancos. O que eu queria dizer é que as colinas lembram a cor da pele dos animais através das árvores.

- Vamos tomar outra?

- Tudo bem.

O vento quente que soprava fez com que a cortina de bambu se movesse em direção à mesa.

- A cerveja está ótima, bem geladinha - o homem disse.

- Muito boa - concordou a garota.

- É uma operação muito simples, Jig - o homem comentou - nem sei se podemos dizer que é uma operação.

A garota olhou para o chão, onde os pés da mesa se apoiavam.

- Sei que você não se importaria, Jig. Você vai ver, não é nada. É só para deixar um pouco de ar entrar.

A garota ficou calada.

- Eu vou com você e vou ficar ao seu lado o tempo todo. Eles apenas deixam que o ar entre, e então tudo fica muito natural.

- E o que nós vamos fazer depois?

- Isso é a única coisa que nos incomoda. A única coisa que nos faz infelizes.

A garota olhou para a cortina de bambu, esticou a mão e pegou duas de suas cordas.

- E você acha que então nós vamos ficar bem e felizes.

- Acho que sim. Não precisa ficar com medo. Eu conheço muitas pessoas que já passaram por isso.

- Eu também - disse a garota - E depois de tudo eles foram muito felizes.

- Sim - o homem disse - Se você não quiser, você não tem que fazer isso. Não quero que você faça nada forçada. Mas eu sei que tudo é bastante simples.

- Você quer mesmo fazer isso?

- Acho que é a melhor coisa a se fazer. Mas não quero que você faça nada sem querer.

- E se eu fizer, você vai ficar feliz e as coisas vão ser como eram antes e você vai me amar?

- Eu já amo você. Você sabe disto.

- Eu sei. Mas se eu decidir fazer, tudo ficará bem outra vez se eu disser que as coisas são como elefantes brancos, e você vai gostar?

- Vou gostar muito. Na verdade eu já gosto, mas ainda não consigo pensar nisso. Você sabe como eu fico quando estou preocupado.

- Se eu fizer você nunca mais vai ficar preocupado?

- Não vou ficar preocupado porque isso é perfeitamente simples.

- Então eu vou fazer. Porque eu não me importo comigo.

- O que você está querendo dizer?

- Que eu não me importo comigo.

- Mas eu me importo com você.

- Sei. Mas eu não. E eu vou fazer isto e então tudo vai ficar bem.

- Não quero que você faça isso se sentindo assim.

A garota se levantou e andou até o fim da estação. No outro lado, havia campos com plantações de cereais e árvores ao longo das encostas do Ebro. Longe dali, depois do rio, estavam as montanhas. A sombra de uma nuvem se movia sobre os campos e ela viu o rio por entre as árvores.

- E nós poderíamos ter tudo isto - ela disse. Poderíamos ter tudo e a cada dia tornamos isso mais difícil.

- O que você disse?

- Disse que poderíamos ter tudo.

- Mas nós podemos ter tudo.

- Não, não podemos.

- Nós podemos ter todo o mundo.

- Não podemos.

- Podemos ir a qualquer lugar.

- Não, não podemos. Não é mais nosso.

- É nosso.

- Não, não é. Depois que o tiram, é impossível tê-lo de volta.

- Mas não o tiraram.

- Vamos esperar e ver.

- Volte para a sombra - ele disse. Você não deveria estar se sentindo assim.

- Eu não estou sentindo nada - a garota continuou - É que eu sei o que está acontecendo.

- Não quero que você faça nada que não queira -

- Nem algo que não seja bom para mim - a garota completou. Claro que eu sei. Podemos beber outra cerveja?

- Tudo bem. Mas você tem que entender ...

- Eu entendo sim - a garota disse. Vamos encerrar o assunto?

Eles se sentaram à mesa e a garota olhou para as colinas na parte seca do vale e o homem olhou para ela e para a mesa.

- Você tem que entender - ele disse - que se você não quer fazer, tudo bem. Eu estou pronto para levar as coisas adiante se isso é importante para você.

- Será que isso significa algo para você? Nós poderíamos dar um jeito.

- Claro que significa. Mas eu não quero ninguém além de você. Não quero ninguém mais. Além disso, eu sei que é bastante simples.

- É claro que você sabe que é muito simples.

- Mas é mesmo.

- Você faria uma coisa por mim agora?

- Faria qualquer coisa por você.

- Dá para parar de falar um pouco, pelo amor de Deus?

Ele não disse nada, mas olhou para as malas encostadas na parede da estação. Elas estavam com etiquetas de todos os hotéis onde já tinham ficado.

- Mas eu não quero que... - ele disse - eu não me importo com nada disso.

- Eu vou gritar - a garota ameaçou.

- A mulher apareceu através das cortinas com dois copos de cerveja e os colocou sobre os porta-copos.

- O trem chega em cinco minutos - a mulher do bar disse.

A garota sorriu radiante para a mulher, para agradecê-la.

- É melhor eu levar as malas para o outro lado da estação - o homem disse

Ela sorriu para ele.

- Tudo bem. Depois volte para terminarmos a cerveja.

Ele pegou as duas malas pesadas e as carregou ao redor da estação para a outra linha. Na volta, andou pelo salão do bar, aonde as pessoas que aguardavam o trem estavam bebendo. Ele tomou um Anis no bar e olhou para as pessoas. Elas já estavam esperando pelo trem há um tempo considerável. Ele saiu, passando pela cortina de bambu. Ela estava na mesa e sorriu para ele.

- Está se sentindo melhor? - ele perguntou.

- Estou bem - ela disse. Não há nada de errado comigo. Estou bem.

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