quarta-feira, 28 de abril de 2010

Trecho de “Absalão, Absalão!”

Wil­li­am Faulkner

0489
“Isso foi tudo que a cidade saberia dele por quase um mês. Aparentemente, havia chegado à cidade vindo do Sul — um homem com cerca de vinte e cinco anos, como a cidade ficou sabendo depois, porque na época sua idade não poderia ter sido adivinhada porque ele parecia um homem que estivera doente. Não como um homem que tivesse pacientemente na cama e se recuperado para se mover com uma espécie de reservado e ensaiado espanto num mundo em que ele se acreditasse prestes a submeter, mas como um homem que passara por alguma experiência solitária de fornalha que era mais do que simples febre, como diz um explorador, que não só tinha que enfrentar a dificuldade normal da busca que escolhera, mas fora tragado pelo obstáculo adicional e imprevisto da febre também e a combatera com enorme custo, menos físico do que mental, sozinho e sem ajuda e não peço impulso cego e instintivo de resistir e sobreviver, mas de ganhar e conservar para desfrutar o prêmio material pelo qual aceitara a aposta original. Um homem de compleição grande, porém agora descarnada, com uma barba curta e avermelhada que parecia um disfarce e por cima da qual seus olhos claros tinham uma qualidade ao mesmo tempo visionária e alerta, implacável e descansada, num rosto cuja carne tinha uma aparência de cerâmica, de ter sido colorido por aquela febre de forno de alma ou ambiente, mais profunda que a do sol apenas embaixo de uma superfície morta impenetrável como se de argila esmaltada. Isso foi o que eles viram, embora tenham passado anos até a cidade saber que isso era tudo o que ele possuía na época — o cavalo forte e esgotado, as roupas do corpo e um pequeno alforje onde mal cabiam uma muda de roupa branca e as navalhas, e as duas pistolas sobre as quais a srta. Coldfield já contara a Quentin, com as coronhas gastas pelo uso como cabos de picareta e que ele usava com a precisão de agulhas de tricotar; mais tarde o avô de Quentin viu Supten cavalgar num meio-galope e meter duas balas numa carta de baralho pregada numa árvore. Ele tinha um quarto na Pensão Holston, mas levava a chave consigo e toda manhã alimentava e selava o cavalo e saía cavalgando antes do dia clarear, para onde a cidade também não conseguiu saber, provavelmente pelo fato de que ele deu a demonstração de pistola no terceiro dia depois da sua chegada. Assim, eles tiveram que depender de indagações para descobrir o que pudessem sobre ele, o que necessariamente seria à noite, à mesa na sala de jantar da Pensão Holston ou no salão que ele teria que cruzar para alcançar seu quarto e trancar a porta de novo, o que ele faria tão logo terminasse de comer. O bar também dava para o salão, e esse seria ou poderia ter sido o lugar para abordá-lo e mesmo inquiri-lo, exceto pelo fato de que ele não frequentava o bar. Ele não bebia, assim disse a eles. Não disse que costumava beber e tinha parado, nem que jamais tivesse consumido álcool. Disse simplesmente que não se interessava por bebida; levou anos até o avô de Quentin (ele era jovem, então. Anos se passariam até ele se tornar o General Compson) saber que a razão por que Supten não bebia era que ele não tinha dinheiro para pagar a sua parte ou retribuir a cortesia; o General Compson foi o primeiro a perceber que nessa época Supten carecia não só de dinheiro para gastar com bebida e sociabilidade, mas também de tempo e inclinação; que ele era, nessa época, escravo absoluto de usa secreta e furiosa impaciência, da convicção que tinha adquirido sabe-se lá em que experiência recente — aquela febre mental ou física — de uma necessidade de pressa, de tempo fugindo embaixo dele, que o iria mover nos cinco anos seguintes — tal como o General Compson o computou, aproximadamente até cerca de nove meses antes de seu filho nascer.”

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