sábado, 28 de agosto de 2010

PATÓPOLIS

Marcelo Coelho

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NUNCA VIMOS UM PATO NA CRUZ

Há uma lacuna básica na História patopolense, um buraco naquele doughnut, uma interrupção fundamental em sua "frisa do tempo" (...) Essa falha histórica em Patópolis é o Cristianismo. Não podemos imaginar, nem nunca vimos, um pato na cruz. Pode ser que haja um deus daquela cidade; terá barbas brancas, penas brancas, um traseiro branco que se afofa numa nuvem branca, a preferida; mas não existe filho seu, como aliás não há filhos, só sobrinhos, em Patópolis. Um pato crucificado é impossível. Só vimos, até agora, Donald no tédio. Ora, esta expressão nos evoca, digamo-lo com um pigarro que homenageia o "efeito historieta" de algumas páginas atrás (tabagismo e bigodetos, gazetas, falsetas, erres puxados na garanta, rascâncias de pentelho irritando a epiglote de um velho professor de peito cavo, consumido e amarelo), esta expressão nos evoca, repito, a frase que Sérgio Milliet incorpou aos Pensamentos de Pascal na edição dos "Pensadores". Na abertura de um capítulo vertiginoso, doentio e lacônico de Pascal --nome aliás de pato enfermiço--, Sérgio Milliet escreveu: "Jesus no tédio". Jésus dans l'ennui, dizia o original. Mas --cof-- "ennui", no século 17, queria dizer apenas "tortura". Para Pascal, o escândalo, cheio de graça, era ver Jesus torturado. Para nós, as coisas não são tão simples; não se esgotam nesse parco e barato paradoxo. O tédio é o tormento que resta a Donald: não foi Filho do Homem. Ei-lo de volta às moscas

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