terça-feira, 24 de agosto de 2010

ROTEIRO DE SUNSET BOULEVARD

sunset

SEQUÊNCIA “A”

A-1:

INICIAR o filme com o nome da rua: SUNSET BOULEVARD, pintado em um meio-fio. Na sarjeta há folhas caídas, pedaços de papel, fósforos usados e pontas de cigarro. É de manhã cedo.

A CÂMERA então deixa o nome da rua e MOVE-SE PARA O LESTE, o asfalto cinzento da rua preenche a tela. Conforme a velocidade aumenta para cerca de 60 km/h, vai passando a sinalização de trânsito pintada no chão, setas brancas, avisos de limite de velocidade, tampas de bueiro etc. SOBREPOSTOS a isso aparecem os CRÉDITOS, no mesmo estilo do nome da rua.

Depois do último crédito, TOMADA PANORÂMICA DA PARTE DE TRÁS DE UM VEÍCULO EM MOVIMENTO.

É um carro funerário do condado. A placa tem os seguintes dizeres: CALIFÓRNIA, 1949 – e um número. A moldura metálica em volta da placa está marcada com as palavras LOS ANGELES.

TOMADA PANORÂMICA MAIS ALTA. Ao longo da traseira do carro funerário está escrito INSTITUTO MÉDICO LEGAL.

MUDANÇA GRADUAL PARA:

A-2: O CARRO DO INSTITUTO MÉDICO LEGAL ENTRA EM UM BECO QUE LEVA AO NECROTÉRIO DO CONDADO.

O carro pára em frente a um portão fechado de barras de aço. Na parede há uma placa: BUZINE. O motorista buzina. Um servente abre o portão. O carro passa por ele indo para

A-3: UM TÚNEL e depois para

A-4: UM PEQUENO PÁTIO

O carro funerário vai, de ré, até uma plataforma de descarga e a buzina volta a soar. Dois serventes vestidos de branco saem do necrotério enquanto o motorista e um funcionário sonolento descem do carro funerário.

Os serventes abrem a porta traseira do veículo e retiram uma maca hospitalar com rodas na qual está um cadáver coberto por um cobertor marrom. Só aparecem os pés do cadáver, com meias baratas de algodão e mocassins desgastados. Estão encharcados. PANORÂMICA acompanhando os pés enquanto a maca é levada para uma pequena sala próxima à entrada do edifício e ali é parada.

MUDANÇA GRADUAL PARA:

A-5: MESMO ÂNGULO

O cobertor foi substituído por um lençol. Os pés estão descalços. As mãos de um servente entram na cena e colocam uma etiqueta no dedão do pé esquerdo do cadáver. FOCO NA ETIQUETA. Em caligrafia comum está escrito:

JOSEPH GILLIS

HOMICÍDIO

17/05/49

MUDANÇA GRADUAL PARA:

A-6: O PRÓPRIO NECROTÉRIO

Um servente leva a maca com Gillis morto para uma sala enorme, sem mobília e sem janelas. Encostados nas paredes estão vinte e tantos corpos cobertos por lençóis, dispostos em filas de macas com números grandes pintados na parede acima de cada maca. O servente empurra Gillis para um lugar livre. Além dele, os pés de outros cadáveres estão para fora dos lençóis: pés de homem, de mulher, de criança; dois ou três negros – todos com uma etiqueta pendurada no dedão do pé esquerdo.

O servente sai e apaga as luzes. Por um momento a sala fica na penumbra, então a música torna-se mais viva, um brilho estranho emana dos corpos sob os lençóis. A longa fila de etiquetas balança com o movimento do ar provocado pela ventilação.

(Nota: todas as vozes da cena seguinte soam de modo peculiar e oco).

UMA VOZ DE HOMEM: Não se assuste, há vários de nós aqui. Está tudo bem.

GILLIS: Não estou com medo.

A cabeça dele não se move, mas os olhos se movem devagar em direção à maca próxima a ele. Ali, sob um lençol quase transparente, está um homem gordo de uns 60 anos. Os olhos dele também estão abertos e voltados para Gillis.

HOMEM GORDO: Como é que você morreu?

GILLIS: Que diferença isso faz?

HOMEM GORDO: Morri de ataque cardíaco. Eu vinha morar aqui em Los Angeles. Tinha uma boa aposentadoria do Seattle City Bank e uma linda casinha toda arrumada. O corretor ia me mostrar o abacateiro quando começou.

GILLIS: É uma pena.

HOMEM GORDO: A sorte é que eu não tinha assinado o contrato.

(Pequena pausa).

GILLIS: E eu me afoguei.

(Em uma maca situada em frente à parede oposta está um garoto loiro de onze anos, o seu rosto de criança inchado também observa através do lençol transparente).

GAROTO: Eu também. Eu me afoguei. Perto do píer no Ocean Park. Apostei com Pinky Evans que podia ficar embaixo d´água mais que dois minutos e consegui.

(Sob outro lençol está um negro robusto).

NEGRO: Você saberia dizer se o Satchel Paige venceu o White Sox ontem?

GILLIS: Não, não sei. Morri antes que o jornal da manhã chegasse.

NEGRO: Que maldição! Eu estava trazendo laranjas do San Berdoo, e sintonizei nos resultados do beisebol quando ela bateu em mim – bum! Uma dona num Chevy cupê que ficou todo amassado e parecia uma tartaruga virada. Dava para pensar que eu ia escapar num caminhão de duas toneladas. Ha, ha! Ela saiu se arrastando e acendeu um cigarro e eu fiquei lá, morto no cruzamento, no meio das laranjas.

GAROTO: Eu queria que meus pais viessem me buscar.

(Sob outro lençol está uma mulher de meia-idade).

MULHER: Eles virão. Não se preocupe.

GAROTO: Acha que eles vão ficar bravos comigo?

MULHER: Não, não vão. Eles virão buscá-lo, e vão trazer flores e vão levá-lo para um lugar ensolarado e verde e colocá-lo para dormir para ter lindos sonhos.

HOMEM GORDO: Deveria haver mais salva-vidas, com tantos impostos que pagamos./ Para Gillis: Onde você se afogou? No mar?

GILLIS: Não. Piscina.

HOMEM GORDO: Um homem forte como você?

GILLIS: Bem, fizeram uns buracos em mim. Dois no peito e um na barriga.

HOMEM GORDO: Foi assassinado?

GILLIS: Sim, fui.

(Os olhos do gordo se movem para o canto oposto da sala).

HOMEM GORDO (em tom confidencial): O número 7 também foi assassinado. Cara interessante. Era corretor de apostas, ele me disse. Trabalhava para uma agência do leste. Bastou ele começar a arrecadar apostas para si mesmo e mandaram uns homens de Chicago. Fico pensando se a polícia vai um dia desvendar o crime.

GILLIS: Nunca vão desvendar o meu.

(Com um leve sorrido maldoso): Ia ser engraçado ficar aqui como um quebra-cabeça embaralhado, com a polícia e os colunistas de Hollywood tentando encaixar as peças erradas.

HOMEM GORDO: Hollywood? Você é do cinema?

GILLIS: Sim, cheguei em 45, porque queria ter uma piscina. E no fim eu consegui uma. Só que tinha sangue nela…

(Billy Wilder, D. M. Marshman Jr. e Charless Brackett, 1949)

Vi no Análise Indiscreta. E falando nisso, cara, que ótimo blog sobre cinema. Recomendadíssimo.

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