quinta-feira, 7 de outubro de 2010

COMO A GERAÇÃO SEXO-DROGAS-ROCK'N'ROLL SALVOU HOLLYWOOD

Peter Biskind

benevides_10012010

Introdução:
KNOCKIN' ON HEAVEN'S DOOR


__ Alguns amigos meus estavam falando que os anos 70 foram a última Era de Ouro. Eu disse: 'Como vocês podem dizer uma coisa dessas?' Eles retrucaram: 'Olha só, tinha todos esses grandes diretores fazendo um filme atrás do outro. Tinha Altman, Coppola, Spielberg, Lucas...
- MARTIN SCORSESE

Nove de fevereiro de 1971, 6h01. Um punhado de carros, faróis brilhando vagamente na neblina do amanhecer, já havia começado a trafegar nas freeways, seus motoristas sonolentos bebendo café em copos de plástico, ouvindo o noticiário do rádio. A máxima prevista era de 23 graus. O julgamento de Charles Manson, agora na fase da sentença, ainda intrigava e excitava Los Angeles. De repente, o chão começou a sacudir violentamente, mas não com o movimento ondulante, quase confortável, de terremotos anteriores. Dessa vez era um corcovear terrível, para cima e para baixo, abrupto, intenso, longo, que parecia durar para sempre. Para muitos, o terremoto de 6.5 na escala Richter pareceu ser o Big One. As garotas da Família Manson disseram, depois, que o próprio Charlie tinha provocado o abalo para punir os pecadores que o atormentavam.
Em Burbank, Martin Scorsese foi ejetado da cama com um sacolejão. Tinha conseguido sua primeira grande oportunidade, um emprego como montador na Warner Bros., e havia chegado de Nova York algumas semanas antes. Marty estava hospedado no Motel Toluca, do outro lado da rua do estúdio. Ele sonhava com livros raros quando ouviu um ronco surdo e imaginou estar no metrô. "Pulei da cama e olhei pela janela", recorda. "Tudo tremia. O céu estava riscado de raios - eram os fios de alta tensão se soltando dos postes e caindo no chão. Era horrível. Eu pensei: 'Tenho que dar o fora daqui.' Quando finalmente calcei minhas botas de caubói, peguei meu dinheiro e as chaves do quarto do motel e saí porta afora, tinha acabado. Fui para o Copper Penny e, quando tomava meu café, houve um tremendo choque secundário. Eu me levantei e saí correndo e um cara olhou para mim e perguntou: 'Para onde você está indo?' E eu disse: 'Você está certo. Estou preso aqui.'"
Para Scorsese, não havia mesmo lugar algum para ir. Ele tinha seguido a trilha de seus sonhos até Hollywood e, se a viagem se tornasse difícil demais, suas opções eram aguentar firme ou voltar para Nova York, fazer filmes industriais, morar no velho bairro de seus pais e comer cannoli, sabendo, o tempo todo, que não tivera a coragem necessária para fazer sucesso no cinema. Antes que a poeira tivesse assentado, 65 pessoas tinham perecido no terremoto. Nenhum dos personagens deste livro está entre elas. Os ferimentos deles foram criados por eles mesmos.
PARA OS PROPÓSITOS DESTE LIVRO, O TERREMOTO DE 1971 foi supérfluo, desnecessário, um exagero, como é tão típico de Hollywood. O verdadeiro terremoto, a convulsão cultural que transformou a indústria do cinema, começara uma década antes, quando as placas tectônicas debaixo dos estúdios começaram a se mover, rachando as verdades absolutas da Guerra Fria - o medo universal da União Soviética, a paranoia do Terror Vermelho, a ameaça da bomba - e libertando uma nova geração de cineastas do gelo do conformismo dos anos 50. Logo a seguir vieram, todos misturados, uma série de abalos premonitórios - o movimento dos direitos civis, os Beatles, a pílula, o Vietnã e as drogas - que, combinados, abalaram seriamente os estúdios e fizeram com que o "tsunami" demográfico que são os "baby boomers" desabasse sobre eles.
Como os filmes são caros e demorados de fazer, Hollywood é sempre a última a saber, a mais lenta a reagir e, nessa época, estava pelo menos meia década atrás das outras artes populares. Por isso, um bom tempo se passou até que o odor acre de cannabis e gás lacrimogêneo chegasse até as piscinas de Beverly Hills e a gritaria atingisse os portões dos estúdios. Mas quando o "flower power" bateu no final dos anos 60, bateu com tudo. Enquanto o país ardia, os Hells Angels desfilavam em suas motos pelo Sunset Boulevard e garotas dançavam na rua de peitos de fora ao som da música do The Doors, que emanava dos clubes da Sunset Strip. "Era como se o chão estivesse em chamas e, ao mesmo tempo, tulipas estivessem brotando", recorda Peter Guber, na época estagiário na Columbia e, mais tarde, presidente da Sony Pictures Entertainment. Tudo era uma grande festa. O velho era sempre ruim, o novo era sempre bom. Nada era sagrado; tudo podia ser mudado. Era, na realidade, uma revolução cultural à moda americana.
Lá pelo final dos anos 60 e começo dos 70, para quem era jovem, ambicioso e tinha talento não havia lugar melhor em toda a Terra do que Hollywood. O buchicho em torno dos filmes atraía os melhores e mais brilhantes da geração "baby boom" para as escolas de cinema. Todo mundo queria entrar na onda. Norman Mailer preferia fazer cinema a escrever livros; Andy Warhol preferia fazer cinema a reproduzir latas de sopa Campbell. Astros de rock como Bob Dylan, Mick Jagger e os Beatles mal podiam esperar para estar na frente e, no caso de Dylan, atrás das câmeras. Nas palavras de Steven Spielberg: "Os anos 70 foram a primeira vez em que as restrições de idade foram abolidas, e jovens tiveram permissão para tomar tudo de assalto com toda a sua ingenuidade e toda a sua sabedoria e todos os privilégios da juventude. Foi uma avalanche de ideias novas e ousadas e, por isso, os 70 tornaram-se um marco."

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