quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O SONHO DE UM HOMEM RIDÍCULO

Fiódor Dostoiévski

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UM TRECHO

Sou um homem ridículo. Agora chamam-me doido, mas não é nada disso; não subi de graduação e sou sempre o mesmo homem ridículo que outrora era. Mas já não me zango, presentemente. Agora todos os homens são para mim agradáveis, mesmo quando zombam de mim: é até nessas ocasiões que me são mais agradáveis. Riria de bom grado com eles, não precisamente a meu respeito mas por lhes ter amizade, se me não sentisse tão triste ao olhá-los. E sinto-me triste porque eles ignoram a verdade, ao passo que eu a conheço. Oh! como é penoso ser o único a conhecer a verdade! E dizer eu que eles jamais a conhecerão! Não poderiam compreendê-la…

Antes de ter descoberto a verdade, afligia-me muito o parecer ridículo. Oh! não parecia apenas: era-o. Fui-o sempre. Sei isto desde que tenho pensar, sabia-o já talvez aos sete anos, sabia-o antes de ir à escola. Na Universidade, quando mais estudava mais claramente me compenetrava de que era ridículo. Por assim dizer, todos os meus estudos universitários tiveram como resultado único convencerem-me doutamente de que era ridículo, cada ano trazendo-me um novo argumento. E mais tarde, ao longo da vida, as coisas seguiram uma progressão de todo em todo similar. Cada ano aumentava e confirmava em mim a consciência do meu ridículo, de todos os pontos de vista. Sempre e em toda a parte escarneciam da minha pessoa; mas ninguém adivinhava que, se existia no Mundo um Homem convencido do seu ridículo, esse homem era eu próprio. E que ninguém compreendesse isto era o que me humilhava mais que tudo. Todavia, a culpa era minha; tive sempre tanto orgulho, que nunca, por nada deste Mundo, cairia em estar de acordo com alguém quanto a ser eu um homem ridículo. Este orgulho crescia com a passagem dos anos e, certamente, se tivesse podido acrescentar permitir-me eu tal confissão perante não importa quem, creio bem que, nessa mesma tarde, despedaçaria a cabeça com um tiro de revólver. […]

[…] Sim, era naquela noite que eu devia matar-me. Tinha-o irrevogavelmente decidido dois meses antes, e, mesmo tão pobre como sou, comprara, nessa ideia, um esplêndido revólver e carregara-o logo. Os dois meses, porém decorreram por inteiro e o revólver permanecia na minha gaveta. Tudo me era indiferente, não é assim? Mas queria que isso fosse para mim menos indiferente, a morte, queria matar-me em um momento em que isso me não fosse indiferente de todo. Por quê? Não sei. De modo que, durante esses dois meses, todas as tardes ao penetrar em casa pensava em matar-me. Mas o momento não chegava. E eis que a estrelinha me anunciava, agora, que ele viera, Decidi então que seria absolutamente nessa noite. […]

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