terça-feira, 16 de novembro de 2010

PIERROT

José Marcelo

enfaixada

A mulher calou-se. Apertava o volante com tanta força que seus dedos estavam brancos demais, como mármore gelado.

__ O que você vai fazer? __ perguntou ela.

O homem desfigurado observava a casa nua através do pára-brisa imundo. Ele pegou a arma no porta-luvas e abriu a porta do carro com a mão enfaixada, manchada de sangue, trêmula. Saiu andando devagar pela estrada enlameada.

A mulher também desceu.

__ Isso vai dar em nada, a não ser dor __ disse ela.

A floresta à beira da estrada parecia uma mortalha, silenciosa e exalando um odor carregado, enquanto ambos se aproximavam da casa.

A mulher disse:

__ Vamos embora.

__ Não.

__ Não? Por que não?

__ Não. Só isso. Não.

__ Você quer morrer?

O homem olhou-a demoradamente, mas sem diminuir o passo, para que ela pudesse ver as cicatrizes, as marcas, a dor. Ela não pareceu abalar-se:

__ Isso não é motivo.

__ É o suficiente.

__ Eu te peço. Não faça isso. Não.

__

__ Você não tem medo?

__ Nada.

__ Como?

__ Antes eu sentia medo, raiva, vontade de chorar, um monte de coisas.  Sentimentos. Agora, agora eu não sinto nada.

__ Deixa pra lá, por favor, deixa pra lá. Esquece. Não faz isso. Eu te peço.

__ Você devia ter ficado no carro.

Ela parou. Começara a chover, uma chuva fina e fria. A chuva pesou sobre seus cabelos e ela ficou olhando-o entrar na casa.

Fechou os olhos e esperou pelo barulho dos tiros.

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