de Jim Thompson
Tentei afastá-la da minha frente. Tinha de sair dali. Sabia o que ia acontecer se não saísse e sabia que não podia deixar aquilo acontecer. Poderia matá-la. Aquilo poderia trazer o mal-estar de volta. E, mesmo que nada daquilo acontecesse, eu ficaria visado. Ela comentaria. Ela berraria para que todos ouvissem. E as pessoas começariam a pensar, a pensar e a se perguntar a respeito daquele outro episódio que ocorreu fazia quinze anos.
Ela me deu um tapa tão forte que meus ouvidos ficaram zumbindo, primeiro de um lado e depois do outro. E continuou me batendo. Meu chapéu voou longe. Quando me abaixei para pegá-lo, ela me acertou o queixo com o joelho.
Perdi o equilíbrio e caí sentado no chão. Ouvi uma risada cruel e depois outra, um tanto receosa. Ela disse:
''Ai, xerife, eu não quis... eu... me deu tanta raiva que... eu...''
''Claro'', sorri. Procurava recuperar a visão e a voz.
''Claro, moça, eu sei como é. Eu também reagia assim. Me ajude aqui, por favor?''
''Você vai me machucar?''
''Eu? Eu não, moça.''
''Não'', disse ela num tom de quase decepção. ''Sei que você não faria isso. Qualquer um percebe que você é um cara tranqüilo demais.'' Ela veio lentamente na minha direção e me deu as mãos.
Levantei-me. Prendi os pulsos dela com uma das mãos e a esmurrei com a outra. Ela quase desmaiou; eu não a queria completamente inconsciente. Eu queria que ela percebesse o que estava acontecendo com ela.
''Não, querida'', sorri. ''Eu não vou machucar você. Nem passaria pela minha cabeça machucar você. Eu só vou acabar com a sua raça.''
Disse exatamente o que pretendia fazer e quase cumpri. Puxei o pulôver dela, cobrindo-lhe o rosto, e dei um nó com uma das pontas. Joguei-a na cama, arranquei-lhe o pijama e amarrei os pés com ele.
Tirei meu cinto, levantei-o acima da cabeça...
Perdi a noção do tempo até parar, até voltar à razão. Só sei que meu braço doía muito, a bunda dela estava muito machucada e eu, apavorado, experimentei o pavor no seu limite.
Soltei as mãos e os pés dela, descobri-lhe a cabeça. Molhei uma toalha com água fria e passei no corpo dela. Servi-lhe café na boca. E durante todo esse tempo eu falava, implorando-lhe perdão, dizendo-lhe o quanto eu lamentava.
Ajoelhei-me ao lado da cama, implorei e pedi desculpas. Finalmente suas pálpebras tremeram e se abriram.
''Não'', murmurou ela.
''Nunca mais, juro por Deus, moça, nunca mais...'', disse eu.
''Não diga nada.'' Ela encostou seus lábios nos meus.
''Não se desculpe.''
Ela beijou-me novamente. Ela começou a tirar minha gravata e a minha camisa desajeitadamente; foi tirando a minha roupa depois de eu quase ter-lhe arrancado a pele.
Voltei no dia seguinte e no outro. Continuei voltando. Era como se um vento tivesse soprado um fogo quase apagado. Comecei a importunar os outros com indiferença, importuná-los servia como substituto de alguma outra coisa. Comecei a pensar em acertar minhas contas com Chester Conway da Construtora Conway.
Não vou dizer que não havia pensado nessa possibilidade antes. Talvez tenha permanecido em Central City todos esses anos na esperança de dar o troco. Se não fosse ela, acho que jamais faria nada. Ela fizera o velho fogo arder novamente. Ela até me mostrou como lidar com Conway.
Ela não tinha noção do que estava fazendo, mas me deu a resposta. Foi num dia, ou melhor, numa noite, mais ou menos umas seis semanas depois de nos conhecermos.
''Lou'', disse ela. ''Não quero continuar com isso. Vamos embora dessa cidadezinha medíocre, só você e eu.''
''Você ficou louca!'', disse eu. Disse isso sem pensar. ''Você acha que eu... eu...''
''Continue, Lou. Eu quero ouvir da sua boca. Diga que beleza de família é a família Ford. Diga assim: nós, os Fords, moça, jamais viveríamos com uma puta qualquer. Nossa família simplesmente não faz esse tipo de coisa, moça.''
Aquilo foi parte, uma grande parte, mas não era a principal. Eu tinha consciência de que ela me tornava pior; sabia que se não parasse logo jamais conseguiria. Acabaria numa cela ou na cadeira elétrica.
''Diga, Lou. Diga e eu digo uma coisa pra você.''
''Não me ameace, querida'', disse eu. ''Eu não gosto de ameaças.''
''Eu não estou ameaçando você. Estou dizendo. Você se acha bom demais para mim, eu vou... eu vou...''
''Continue. É a sua vez de falar.''
''Eu não gostaria de ter que fazer, Lou querido, mas não vou desistir de você. Nunca, nunca, nunca. Se você é bom demais para mim, então vou fazer com que você não seja.''
Dei-lhe um beijo, um beijo demorado e intenso. Porque minha querida não sabia, mas minha querida estava morta, e, de alguma forma, não poderia tê-la amado mais.
''Minha querida, você soltou os cachorros à toa. Eu estava preocupado com grana.''
''Eu tenho um pouco de grana. Posso arranjar mais. Muito mais.''
''Pode?''
''Posso, Lou. Sei que posso! Ele é louco por mim e é otário pra caramba. Aposto que, se o pai dele achasse que eu me casaria com ele, ele...''
''Quem?'',perguntei.''De quem você está falando, Joyce?''
''De Elmer Conway. Você sabe quem é, não sabe? O velho Chester...''
''Sei'', respondi. ''Sei, sim. Conheço a família Conway muito bem. Como você conseguiu fisgá-los?''
Conversamos longamente sobre a situação deitados na sua cama, e, tarde da noite, uma voz, em algum lugar, parecia me sussurrar que eu esquecesse, esqueça, Lou, não é tarde demais se você parar agora. E eu tentei, Deus é testemunha de que tentei. Mas logo depois daquilo, logo depois da voz, a mão dela agarrou a minha, pressionando-a contra os seios; ela gemeu e tremeu... então não esqueci.
''Bem'', disse eu depois de algum tempo. ''Acho que pode-mos dar um jeito nisso. Se, numa primeira tentativa, você não conseguir, tente, tente de novo.''
''O quê, querido?''
''Em outras palavras, querer é poder'', disse eu.
Ela ficou meio embaraçada e deu um riso abafado. ''Ah, Lou, você é tão brega! É surpreendente!''
... A rua estava escura. Eu estava a alguns metros do bar e o vagabundo, esperando, olhando para mim. Era um cara novo, devia ter mais ou menos a minha idade e estava vestido com o que parecia ter sido um terno muito bom.
''Pois é, cara'', começou ele dizendo. ''Pois é. Estou numa pior e, juro por Deus, se eu não arranjar logo alguma coisa pra comer...''
''Alguma coisa quentinha, né?'', disse eu.
''É, qualquer coisa que você puder arranjar, eu...'' Tirei o charuto da boca e com a outra mão fiz menção de tirar algo do bolso. Então agarrei-lhe o pulso e apaguei a guimba na palma da mão dele.
''Pelo amor de Deus, cara!'', xingou ele e saiu rápido de perto de mim. ''Que foi isso?''
Ri e mostrei o distintivo. ''Cai fora'', disse eu.
''Tô indo, cara, tô indo'', ele disse e começou a se afastar.
Ele não parecia amedrontado nem zangado, estava mais curioso do que qualquer outra coisa. ''Mas, se eu fosse você, eu ficaria esperto com isso, cara. Ficaria bem esperto.''
Ele virou e caminhou em direção aos trilhos.
Observei-o, sentindo um pouco de enjôo e fraqueza; então, entrei no carro e fui para a sede do sindicato.
Vc sabe onde posso baixar esse livro???
ResponderExcluirSe souber, entre em contato por algum post do meu blog.
Obrigada
http://engracadinhabiju.blogspot.com/