quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Fernando Pessoa



Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estheticas!
Não me fallem em moral!
Tirem-me d'aqui a methaphysica!
Não me apregoem systemas completos, não me enfileirem conquistas
Das sciencias (das sciencias, Deus meu, das sciencias!) –
Das sciencias, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se teem a verdade, guardem-a!

Sou um technico, mas tenho tecnnica só dentro da technica.
Fóra d'isso sou doido, com todo o direito a sel-o.
Com todo o direito a sel-o, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, futil, quotidiano e tributavel?
Queriam-me o contrario d'isto, o contrario de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciencia!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sòzinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sòzinho.
Já disse que sou só sòzinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul – o mesmo da minha infancia –,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outr'ora de hoje!
Nada me daes, nada me tiraes, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abysmo e o Silencio quero estar sòzinho!
Lisbon Revisited (1923)

Nenhum comentário: