domingo, 31 de janeiro de 2010

Um papo com Fabiano do Pedra Leticia


Quinta passada, resolvi ir a uma cafeteria de Goiânia, tomar um café, ler jornais e revistas, enfim, passar um tempo. Grata surpresa foi, quando entrei, estar no mesmo estabelecimento, Fabiano, do Pedra Leticia (o de pé, na foto).
Entre um expresso e outro, muita conversa, desde lançamento do DVD do Pedra Letícia (que será final de fevereiro), passando por atualidades, discutindo um pouco quadrinhos (principalmente Neil Gaiman e Allan Moore), tecnologias e alguns outros assuntos.
O resumo de tudo... uma excelente conversa.

Pena não ter registrado o momento com uma foto nem ter o CD deles em mãos para um autógrafo!
Fica pra próxima...

MOJO Design Posters

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SALMAN RUSHIDIE

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Pintado por Dave Mckean.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Ratinhooooooo!

A MAÇÃ

Gustav Klimt - Adão e Eva

A lógica é a primeira coisa que você tem de abandonar…Sabe aquela maçã que o Adão comeu no Paraíso, de acordo com a Bíblia? Sabe o que havia naquela maçã? Lógica. Lógica e troços intelectuais. Era só isso que havia nela. Por isso, se você quiser ver as coisas como elas realmente são, então tem que vomitar tudo isso…. O problema é que a maioria das pessoas não quer ver as coisas como elas realmente são. Não querem nem parar de nascer e morrer o tempo todo. Todo mundo só quer ter um novo corpo, em vez de parar e ficar com Deus, que é o que é bom mesmo.

J.D. Salinger

X- FACTOR

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Pintado por Pablo Raimondi.

DIA A DIA

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Do Laerte.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

SÉRIE DA VERTIGO NOS CINEMAS

Trecho de ‘Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira e Seymour, uma Apresentação’

de J.D. Salinger (1919 – 2010)

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Certa noite, faz uns vinte anos, durante um surto de caxumba em nossa imensa família, minha irmã caçula, Franny, foi transferida com berço e tudo para o quarto obviamente não contaminado que eu repartia com meu irmão mais velho, Seymour. Eu tinha quinze anos; Seymour, dezessete. Por volta das duas da madrugada, fui acordado pelo choro insistente da nova companheira de quarto. Continuei deitado por alguns minutos, sem me mexer, ouvindo o berreiro, até que escutei ou senti que Seymour se movia na cama ao lado. Naquela época, mantínhamos uma lanterna na mesinha-de-cabeceira entre os dois para alguma emergência que, tanto quanto me recordo, jamais ocorreu. Seymour acendeu-a e levantou da cama. "Mamãe falou que a mamadeira está no fogão", avisei a ele. "Já dei para ela agorinha mesmo", disse Seymour. "Não está com fome." Caminhou no escuro até a estante e varreu lentamente as prateleiras, para um lado e para o outro, com a luz da lanterna. Sentei-me na cama. "O que é que você vai fazer?", perguntei. "Acho que ler alguma coisa para ela", respondeu Seymour, pegando um livro. "Ah, essa não", eu disse, "ela tem dez meses!""Eu sei, mas os bebês têm ouvidos. Podem ouvir." A história que Seymour leu para Franny naquela noite, à luz da lanterna, era uma de suas prediletas, um conto taoísta. Até hoje Franny jura que se lembra de Seymour lendo para ela. O duque Mu da China disse a Po Lo: "Você está bem entrado em anos. Haverá alguém em sua família capaz de substituí-lo na tarefa de procurar cavalos para mim?"

Po Lo respondeu: "Um bom cavalo pode ser selecionado por sua aparência e constituição física. Mas o cavalo fora de série o que não levanta poeira nem deixa rastro é algo evanescente e fugidio, tão intangível quanto o ar rarefeito. Os talentos de meus filhos situam-se em plano definitivamente inferior: reconhecem um bom cavalo quando o vêem, mas são incapazes de identificar um cavalo excepcional. No entanto, tenho um amigo chamado Chiu-Fang Kao, um vendedor de lenha e de legumes, que não fica nada a me dever em matéria de cavalos. Por favor, fale com ele." O duque Mu assim fez, enviando-o logo depois em busca de um cavalo. Passados três meses, ele voltou anunciando que o encontrara. "Está agora em Sach'iu", acrescentou. "Que tipo de cavalo é ele?", perguntou o duque. "Ah, é uma égua baia", foi a resposta. Porém, quando alguém foi buscar o animal, verificou-se que era um garanhão negro como carvão! Muito contrariado, o duque mandou chamar Po Lo. "Esse seu amigo", disse ele, "que contratei para encontrar um cavalo, meteu os pés pelas mãos. Ora bolas, não sabe nem distinguir a cor ou o sexo de um animal! O que é que ele pode entender de cavalos?" Po Lo soltou um suspiro de satisfação. "Será mesmo que ele chegou a tal ponto?", perguntou em tom excitado. "Ah, então ele é dez mil vezes melhor do que eu. Não há comparação entre nós. O que o Kao tem em mira são os elementos espirituais. Certificando-se do essencial, esquece os detalhes comezinhos; concentrando- se nas qualidades internas, perde de vista os sinais exteriores. Ele vê o que quer ver, e não o que não quer ver. Vê o que precisa ver e esquece o que não precisa ver. Kao é tão sábio como avaliador de cavalos que deveria julgar algo melhor do que simples animais." Quando o cavalo chegou, provou ser extraordinário. Reproduzi aqui o conto não apenas porque saio dos meus cuidados a fim de recomendar uma boa chupeta literária aos pais e irmãos mais velhos de bebês de dez meses, mas por outra razão totalmente diversa. O que se segue é o relato de um dia de casamento em 1942. A meu juízo, trata-se de um relato completo, com começo e fim peculiar. No entanto, como estou de posse da informação, julgo necessário mencionar que o noivo, neste ano de 1955, já não se conta entre os vivos. Suicidou-se em 1948, quando passava as férias com a mulher na Flórida...

Sem dúvida, contudo, o que eu quero mesmo dizer é o seguinte: desde que o noivo saiu definitivamente de cena, não consigo pensar em ninguém mais a quem confiaria a tarefa de procurar um cavalo para mim. Em fins de maio de 1942, a filharada sete ao todo de Les e Bessie (Gallagher) Glass, artistas aposentados da trupe de vaudevile do Circuito Pantages, estava esparramada, para usar um termo propositadamente extravagante, por todos os Estados Unidos. Eu, por exemplo, o segundo mais velho, estava no hospital militar de Fort Benning, na Geórgia, com pleurisia pequeno memento de treze semanas de treinamento básico como soldado de infantaria. Os gêmeos, Walt e Waker, tinham se separado um ano antes. Waker estava num campo de pacifistas em Maryland, enquanto Walt se encontrava em algum ponto do Pacífico ou a caminho de lá com um batalhão de artilharia. (Nunca soubemos direito por onde Walt andou nessa época. Jamais foi de escrever cartas, e pouquíssimas informações pessoais quase nada chegaram até nós após sua morte. Perdeu a vida num acidente militar absolutamente ridículo no fim do outono de 1945, no Japão.) Minha irmã mais velha, Boo Boo, que se encaixa cronologicamente entre mim e os 1. O suicídio de Seymour é relatado no conto "Um dia ideal para os peixes-banana", da coletânea de J. D. Salinger traduzida para o português com o título de Nove estórias (Editora do Autor). (N.T.)

gêmeos, era subtenente no corpo feminino da Marinha e, entre uma viagem e outra, servia numa base naval no Brooklyn. Durante toda aquela primavera e o verão, ocupou o pequeno apartamento em Nova York que meu irmão Seymour e eu tínhamos praticamente abandonado desde nossa convocação. Os dois mais moços, Zooey (homem) e Franny (mulher), viviam com nossos pais em Los Angeles, onde papai procurava novos talentos para um estúdio cinematográfico. Zooey tinha treze anos; Franny, oito. Ambos se apresentavam todas as semanas num programa radiofônico de perguntas para crianças chamado, com discutível ironia, "Crianças sabidas". Talvez cumpra dizer aqui que, num ou noutro momento ou melhor, num ou noutro ano, todas as crianças da família participaram daquele programa como "convidadas" pagas. Seymour e eu fomos os primeiros, nos idos de 1927, quando tínhamos, respectivamente, dez e oito anos, época em que o programa ia ao ar de um dos salões de convenção do velho Hotel Murray Hill. Todos os sete, de Seymour a Franny, se apresentavam usando pseudônimos. Pode parecer muitíssimo estranho, já que éramos filhos de artistas de teatro, seita em geral pouco avessa à publicidade, mas minha mãe certa feita havia lido um artigo numa revista sobre as pequenas cruzes que as crianças profissionais são obrigadas a carregar seu afastamento da sociedade normal e supostamente desejável e, tendo tomado uma posição férrea sobre o assunto, dela jamais se afastou. (Não cabe aqui discutir se a maioria das crianças "profissionais", se não todas, deveriam ser legalmente proibidas de se exibir, vistas como um objeto de compaixão, ou executadas sem dó por perturbar a ordem pública. Por enquanto limito-me a informar que nosso rendimento conjunto no "Crianças sabidas" permitiu que seis de nós completassem os estudos universitários, enquanto a sétima vai pelo mesmo caminho.)

Nosso irmão mais velho, Seymour que é de quem vou tratar quase exclusivamente aqui, era cabo no que, em 1942, ainda se chamava o Corpo Aéreo. Servia numa base de aviões B-17 na Califórnia, onde, creio eu, trabalhava no setor administrativo da companhia. Posso acrescentar, e não de forma incidental, que era o escritor de cartas menos prolífico da família. Acho que não recebi nem cinco cartas dele em toda a minha vida. Na manhã de 22 ou 23 de maio (ninguém na família jamais datou uma correspondência), uma carta de minha irmã Boo Boo foi colocada no pé da minha cama no hospital militar de Fort Benning enquanto meu diafragma estava sendo envolvido em tiras de esparadrapo (um procedimento médico aplicado com freqüência em pacientes que sofrem de pleurisia, supostamente a fim de impedir que eles se despedacem de tanto tossir). Terminada a provação, li a carta de Boo Boo. Ainda a guardo, e aqui vai ela na íntegra.

Querido Buddy, Estou numa pressa danada para fazer as malas, por isso vou ser breve mas incisiva. O almirante Belisca-Bunda decidiu que precisa voar para locais desconhecidos como parte do esforço de guerra, e decidiu também levar sua secretária, se eu me comportar direitinho. Estou cheia disso tudo. Além da coisa do Seymour, isso significa dormir em gélidas barracas nas bases aéreas, levar cantadas infantis de nossos bravos combatentes e enfrentar aqueles horríveis saquinhos de papel nos quais se vomita nos aviões. A questão é que o Seymour vai se casar repito, se casar e por isso, por favor, preste atenção. Não vou poder estar presente. Posso ficar fora, nessa viagem, de seis semanas a dois meses. Conheci a moça. Na minha opinião, é um zero à esquerda, mas muito bonita. Não tenho certeza de que ela é mesmo um zero à esquerda. Na verdade, ela não disse nem duas palavras na noite em que a conheci. Só ficou lá sentada, rindo e fumando, por isso não é justo que eu diga uma coisa dessas. Não sei nadinha sobre o romance, a não ser que aparentemente eles se encontraram quando o Seymour serviu em Monmouth no inverno passado. A mãe é o fim metida a entender de todas as artes, se consulta duas vezes por semana com um "excelente" junguiano (na noite em que a conheci me perguntou duas vezes se eu já tinha feito análise). Disse que só gostaria que o Seymour tivesse um grau maior de socialização. No mesmo fôlego, disse que o adorava, embora etc. etc. e que costumava ouvi-lo religiosamente durante todos os anos em que ele esteve no programa. E só o que sei, exceto que você tem de ir ao casamento.

Não vou te perdoar nunca se você não for. No duro. Mamãe e papai não vão poder vir da Califórnia até aqui. Para complicar, Franny está com sarampo. Aliás, você a ouviu na semana passada? Engatou uma longa história sobre como costumava voar pelo apartamento todo quando tinha quatro anos e não havia ninguém em casa. O novo apresentador é pior do que o Grant se possível, pior até do que o Sullivan nos velhos tempos. Disse que ela certamente tinha apenas sonhado que era capaz de voar. A danadinha agüentou firme. Respondeu que sabia que era capaz de voar porque, ao aterrissar, sempre tinha os dedos sujos de poeira porque tocava nas lâmpadas. Quero muito vê-la. A você também. Seja como for, você tem de ir ao casamento.

Fuja do quartel se não tiver outro jeito, mas vá, por favor. É às três da tarde, no dia 4 de junho. Tudo muito não-sectário e emancipado, na casa da avó dela, na rua 63. Um juiz vai oficiar a cerimônia. Não sei o número, mas fica duas casas adiante de onde o Cari e a Amy viviam em meio a todo aquele luxo. Vou passar um telegrama para o Walt, mas acho que ele já embarcou. Por favor, vá lá, Buddy. Ele está pesando tanto quanto um gato e tem aquela expressão de êxtase que impede qualquer conversa. Talvez tudo acabe dando certo, mas odeio este ano de 1942. Acho que vou odiar 1942 até morrer, só por uma questão de princípio.Todo o meu amor, te vejo quando voltar. Boo Boo

Alguns dias depois de a carta chegar, tive alta do hospital, sob a custódia, por assim dizer, de uns três metros de esparadrapo em volta das costelas. Começou então a extenuante campanha de uma semana a fim de obter a licença para ir ao casamento. Por fim consegui, depois de ganhar laboriosamente a simpatia do comandante da companhia, um sujeito muito chegado aos livros, conforme ele mesmo confessou, e cujo autor preferido, assim quis a sorte, era também o meu: L. Manning Vines. Ou seria Hinds? Apesar desse vínculo espiritual, tudo o que consegui arrancar dele foi uma saída de três dias, a qual, na melhor das hipóteses, me daria apenas tempo suficiente para viajar de trem até Nova York, assistir ao casamento, engolir um jantar em algum lugar e voltar semimorto para a Geórgia.

Em 1942, tal como me recordo, todos os vagões de passageiros só tinham ar-condicionado em teoria, andavam cheios de policiais militares e cheiravam a suco de laranja, leite e uísque de centeio. Passei a noite tossindo e lendo uma revista em quadrinhos que alguém tivera a gentileza de me emprestar. Quando o trem parou em Nova York às duas e dez da tarde do casamento, eu já não tinha mais forças para tossir e estava totalmente exausto, suado, amarfanhado e com os esparadrapos coçando de forma diabólica. Como não havia tempo para passar pelo apartamento, deixei num daqueles armários de aço da Penn Station minha bagagem, que consistia numa pequena sacola de lona, fechada a zíper, de aspecto melancólico. Para tornar as coisas ainda mais irritantes, enquanto eu vagava pelas ruas à procura de um táxi, um segundo-tenente do Corpo de Sinaleiros, para quem eu aparentemente deixara de bater continência ao atravessar a Sétima Avenida, sacou do bolso uma caneta e anotou meu nome, número de série e endereço diante de um punhado de civis que nos olhavam estupefatos. Eu estava um trapo quando enfim peguei um táxi.

Dei ao motorista indicações que me levariam ao menos até a antiga casa de Carl e Amy. No entanto, tão logo chegamos ao quarteirão, foi bastante simples. Havia até mesmo um toldo de lona. Um momento depois, entrei numa velha e enorme casa de fachada de pedra onde fui recebido por uma senhora muito bonita, de cabelos azulados, que me perguntou se eu era amigo da noiva ou do noivo. "Ah", ela disse, "bem, estamos juntando todo mundo." Deu uma risada exagerada e me indicou o que parecia ser a última cadeira de armar vazia numa imensa sala entupida de gente. Tenho um branco na memória, que já dura treze anos, com respeito aos detalhes da sala. Além do fato de que estava apinhada e de que fazia um calor insuportável, só me lembro de duas coisas: que havia um órgão tocando bem atrás das minhas costas e que a mulher sentada à minha direita se voltou para mim e disse entusiasticamente, num desses sussurros teatrais:

"Sou a Helen Silsburn!". Pela localização de nossas cadeiras deduzi que não se tratava da mãe da noiva, mas, para evitar qualquer risco, sorri e balancei a cabeça amigavelmente, e já estava prestes a dizer quem eu era quando ela levou o dedo aos lábios num gesto de decoro e ambos olhamos para a frente. Deviam ser três horas. Fechei os olhos e esperei, um tanto ansioso, que o organista interrompesse a música de fundo e mergulhasse na Marcha Nupcial. Não tenho uma idéia muito clara do que se passou na hora e quinze minutos seguintes, além do fato importantíssimo de que a Marcha Nupcial não se fez ouvir.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Deus sabe o que faz?

Vi no: Um Sabado Qualquer

SOBRE O AMOR

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"O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.”

Charles Bukowski

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

SOBRE BONECOS E BONECAS

por José Marcelo

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O boneco sorri maliciosamente, uma figura bem vestida com uma seringa na mão. Parado na vitrine – do modo como imaginara algum engraçadinho, alguém metido a artista. Karina pensou, e no entanto excitante, muito excitante. Assustava-a o pensamento. Repentino, brusco pensamento. Ali, parada diante da vitrine, uma mulher um tanto obesa, de olhos largos e cansados, equilibrando duas bolsas enormes de compras. Indo para casa, para o inevitável jantar com a família. Seus pais: a mãe, sempre rabugenta, reclamando de alguma coisa e, às vezes, reclamando de não ter nada a reclamar (neste caso reclamava da falta de novidade da vida); já o pai parecia perdido em um mundo só dele, talvez um onde não tivesse filha nem mulher. Mulher. Era engraçado como quase nunca se sentia como mulher. Como quase nunca sentia desejo. E agora, olhando para aquele manequim… O rosto dele era perfeito, como devem ser rostos como aquele. Perfeito. Ela desceu os olhos por aquele corpo de plástico – e sentiu um tremor involuntário. olha, veja só, excitada por um boneco. Ela tornou a pegar as sacolas – nem se lembrava de tê-las soltado – e tomou rapidamente o caminho para casa.

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Pintado por Neal Adams

JOE O BÁRBARO

Clique na imagem para baixar.

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Do Gibiscuits.

Irmãos Coen’s

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O Grande Lebowski.

trecho do livro O Quarteto de Alexandria

de Lawrence Durrell

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Balthazar

Já havia escurecido quando dispensei o táxi na praça Mohammed Ali e caminhei até o departamento da Prefeitura onde fi cava o gabinete de Nimrod. Ainda estava atônito com o rumo tomado pelos acontecimentos e oprimido com a idéia dos possíveis desdobramentos — reforçando as advertências e ameaças dos últimos meses, nos quais eu vivera unicamente para uma pessoa — Justine. Ardia de impaciência por revê-la.

As lojas já estavam iluminadas e os balcões dos cambistas estavam cercados de marinheiros franceses impacientes por trocar seus francos por comida e vinho, seda, mulheres, rapazes ou ópio — toda sorte de descuido compreensível. O gabinete de Nimrod fi cava nos fundos de um edifício antigo, ao fim da rua. Parecia deserto àquela hora, cheio de corredores vazios e gabinetes abertos. Todos os funcionários haviam saído às seis, quando termina o expediente. Meus passos arrastados ecoaram pela portaria abandonada. Era estranho ingressar num prédio da polícia de forma tão desimpedida. Ao final do terceiro corredor cheguei à porta de Nimrod e bati. Ouviam-se vozes em seu interior. Seu gabinete era uma sala ampla, até majestosa, com janelas que davam para um pátio vazio onde algumas galinhas passavam o dia inteiro cacarejando e ciscando no chão de terra. Uma palmeira solitária e ressecada erguia-se no meio do pátio, proporcionando alguma sombra no verão.

Como ninguém respondeu, abri a porta e entrei — e detive-me em seguida; a escuridão e a luz brilhante fizeram-me pensar que um filme estava sendo exibido. Mas era apenas o imenso epidiascópio projetando na parede as imagens ampliadas das fotografias que Nimrod retirava de um envelope. Ofuscado, entrei na sala e identifiquei Balthazar e Keats na penumbra fosforescente que rodeava a máquina, seus perfis recortados na luz magnética da poderosa lâmpada.

— Ótimo — disse Nimrod, virando a cabeça e estendendo-me uma cadeira —, sente-se. — Keats sorriu para mim, parecendo empolgado e cheio de uma satisfação misteriosa. As fotografias que estudavam com tanto cuidado haviam sido tiradas por ele no baile dos Cervoni. Tão ampliadas, pareciam afrescos distorcidos que se materializavam e desapareciam na parede branca. — Veja se pode ajudar-nos com a identificação — pediu Nimrod, ao que me sentei e, obediente, voltei o rosto para as imagens brilhantes das silhuetas de dezenas de monges dementes, dançando juntos.

— Essa não — disse Keats. A luz branca do magnésio ateara fogo aos contornos das figuras encapuzadas.

Dilatadas até aquele tamanho enorme, as fotografias pareciam uma nova forma de arte, mais macabras que qualquer fruto da imaginação de um Goya. Uma nova iconografia — pintada com fumaça e clarões de flash. Nimrod trocava as imagens sem pressa, demorando-se em cada uma delas.

— Nenhum comentário? — perguntava antes de expor perante nossos olhos mais um fac-símile ampliado da vida real. — Nenhum comentário?

Para fins de identificação, eram inúteis. Oito fotografias, no total — cada uma delas um terrível simulacro de uma festa mórbida celebrada por sátiros vestidos de monges em alguma cripta medieval, orientados por Sade!

— Ali está o anel — alertou Balthazar assim que a quinta fotografia surgiu na parede. Um grupo de vultos encapuzados, agitando-se freneticamente com os braços dados, surgiu diante de nós, inexpressivos como sépias ou os monstros grotescos que por vezes nos espreitam em meio à escuridão dos aquários. Seus olhos eram fendas desprovidas de sentido, sua alegria um arremedo de emoções humanas. Então é assim que os inquisidores se divertem em suas horas de folga! Keats suspirou, desesperado. Um dos vultos tinha a mão pousada sobre o braço coberto de negro do vizinho. Um pequeno borrão branco indicava o trágico anel de Justine. Nimrod descreveu toda a cena para si mesmo com o tom de um homem que faz uma medição.

— Cinco mascarados... algum lugar perto do bufê, enxerga-se o canto... e a mão. Pertence a Toto de Brunel? Que acham? — Olhei com atenção.

— Creio que é possível — opinei. — Justine usa esse anel em outro dedo. Nimrod, triunfante, exclamou:

— Rá! — e acrescentou — Aí está um detalhe importante. — Sim, mas quem seriam os outros vultos que o flash arrancara do nada? Examinávamos com atenção, recebendo em troca o olhar vazio de suas fendas aveludadas. Pareciam atiradores de elite.

— Não adianta — suspirou Balthazar, e Nimrod desligou a máquina. Após um instante de completa escuridão a sala foi iluminada por uma lâmpada elétrica comum. A mesa de Nimrod estava coberta de páginas datilografadas à espera de assinaturas, o procès-verbal, sem dúvida. Sobre um quadrado de seda cinzenta, repousavam objetos diretamente relacionados com o que nos angustiava: o alfinete maciço, com sua horrenda pedra azul e o anel ebúrneo de minha amante, que nem mesmo então eu conseguia encarar sem sentir um aperto no peito.

— Assine aqui, por favor — pediu Nimrod, indicando uma página —, depois de ler. — Cobriu a boca para tossir e acrescentou em voz baixa: — E pode levar o anel.

Balthazar estendeu-me o anel. Estava frio, coberto por uma ligeira camada de pó para impressões digitais. Limpei o anel na gravata e guardei-o em meu casaco, no bolso do relógio.

— Obrigado — falei, e sentei-me diante da mesa para ler o relatório policial, enquanto os outros acendiam cigarros e conversavam em voz baixa. Ao lado das páginas datilografadas havia outra, escrita na caligrafia genérica e nervosa do general Cervoni. Era a lista de convidados para o baile de Carnaval, que ecoava a poesia majestosa dos nomes que tanto vieram a significar para mim, os nomes dos alexandrinos. Escute:

Pia dei Tolomei, Benedict Dangeau, Dante Borromeo, coronel Neguib, Toto de Brunel, Wilmot Pierrefeu, Mehmet Adm, Pozzo di Borgo, Ahmed Hassan Paxá, Delphine de Francueil, Djambulat Bey, Athena Trasha, Haddad Fahmy Amin, Gaston Phipps, Pierre Balbz, Jacques de Guéry, conde Banubula, Onofrios Papas, Dmitri Randidi, Paul Capodistria, Claude Amaril, Nessim Hosnani, Tony Umbada, Baldassaro Trivizani, Gilda Ambron...

Murmurei os nomes durante a leitura da lista, adicionando mentalmente a palavra "assassino" a cada um deles, apenas para ver se parecia encaixar. Somente quando cheguei ao nome de Nessim fiz uma pausa e olhei para a parede escura — para nela projetar sua imagem como se fosse mais uma fotografia a ser analisada. Ainda enxergava a expressão em seu rosto no momento em que o ajudei a entrar no carro — o rosto sereno e malicioso de alguém que descansa após ter gasto uma imensa dose de energia.

RICARDO FREDA’S

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I Vampire.

ROMERO’S

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ESTÁGIO (XIII)

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Do gonzo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

BRIGA DE GALO E OUTRAS CRUELDADES

de José Marcelo

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“Que galinha feia”, disse ela. “É de verdade?”

“É um galo. E sim, é de verdade.”

“Não parece”, ela ajeita o cabelo com um gesto distraído. “Parece de plástico.”

“Não, é real. Um galo real. Um galo de briga real.”

“De briga? Como um boxeador?”, pergunta ela.

“Mais como um gladiador. Quem perde acaba morto.”

“Ah. Parece cruel.”

“E é.”

“Como?”

“É cruel.”

“Por que você faz isso então?”

“Sou um homem cruel.”

“Sempre te achei estranho, mas não mal.” Ela parece incomodada. Provavelmente passaram por sua cabeça as imagens de penas ensanguentadas e gargantas cacarejando sangue e bicos em feridas expostas e homens uivando e gritando de prazer em círculo ao redor  da carnificina. “Não cruel.”

Ela desaparece no banheiro e eu fico me olhando no espelho: o terno branco, respingado de sangue, o taco de golfe velho e as luvas peludas e a cara amarrada. Eu não pareço assustador. Talvez bizarro, mas não assustador. Pareço um ator em um filme antigo, a película gasta e amarelada.

Solto o galo e ele salta do sofá e fica andando pela sala e defecando e abrindo e fechando as azas.

Ela volta usando um vestido branco e curto e sorri. Ela é linda, não há discussão quanto a isso. Não é esperta ou algo assim, mas é linda.

“Onde vai me levar?”, ela pergunta.

“Aonde quer ir?”

“Ao cinema”, ela responde, sentando-se no meu colo.

“Ver qual filme?”

“Um bem artístico, desses quase chatos, meio hermético, bem longo”, ela diz, entusiasmada.

“Tudo bem. Só preciso fazer uma coisa antes.”

Saímos. Ela dirige. É uma noite calma. Quase não há transito. Quase não há pessoas nas ruas. Uma camada de poluição oculta as estrelas e a lua. Eu indico o caminho.

“É aqui. Eu não demoro.”

Eu pego o galo e desço do carro. A placa diz AÇOUGUE SÃO FRANCISCO, e eu entro por uma porta de metal que range como uma alma desmorta ao ser empurrada. Atrás da porta há um corredor estreito, onde o odor de animais mortos me atinge como uma cusparada. E no fim do corredor, há um velho sentado em uma cadeira. Um velho de óculos escuros como os de um cego. Ele me olha e sorri. Enfia a mão no bolso e tira um punhado de dinheiro. Enquanto ele conta as notas, eu olho ao redor: carcaças, sangue, lâminas de vários tamanhos.

“Aqui está.” O velho me entrega algum dinheiro e olha para o galo. “Eu pago um bom preço por ele.”

“Não está a venda.”

“Por que não? Ouvi dizer que você vai se aposentar, certo? Não vai mais precisar do galo. Então?”

“Não está a venda. Ele também vai se aposentar.”

“É o que ele quer? É um verdadeiro guerreiro, esse aí. Nunca vai se acostumar a uma vida tranquila. Nunca. Nem ele, nem você.”

“E quanto a você, velho?”

“Eu?”

“É. Você.”

“O que tem eu?”

“Ouvi algumas coisas.”

“Que coisas?” O velho tira os óculos escuros, desconfiado. “Que coisas?”

“Bom”, eu dou de ombros. Solto o galo e puxo a faca. É tudo tão rápido que o velho sequer tem tempo de se mover. A faca entra em sua garganta e eu a torço de modo a aumentar o corte e estraçalhar os músculos e as veias do pescoço. Ele cai um instante depois, já morto. Eu deixo a faca em sua garganta e ele fica lá, no chão, espalhando sangue ao redor. Tiro meu paletó e minha camisa, limpo meu rosto e pego o galo que ficara ali parado, olhando a cena, meio hipnotizado, meio apreciando. Talvez fosse verdade e ele não suportasse se aposentar.

Volto para o carro e ela me pergunta, “Cadê sua camisa?” e eu respondo que minha camisa se sujara e eu resolvera tirá-la. Deixo o galo se acomodar no banco de trás. 

“Eles não vão te deixar entrar no cinema sem camisa”, ela diz.

“Tudo bem.”

Eu me viro e a beijo. Ela passa a mão em meu peito. “Todas essas cicatrizes. Você nunca me contou…”

“Não é nada demais. Esqueça. Me empresta teu celular.” Disco um número. “Tá feito”, falo e desligo.

“Era só isso que você tinha para dizer? Você é engraçado.”

“Vamos a outro lugar, antes do cinema.”

Agora, paramos diante de uma casa velha em uma parte velha da cidade. Dessa vez, ela vem comigo. Eu bato na porta e uma mulher usando apenas uma camisola que não esconde seus peitos caídos abre a porta. Sonolenta. Cabelos desarrumados. Eu entrego o galo para ela. Não dizemos nada. Ela assente com a cabeça. E fecha a porta.

Agora, no carro, indo para o cinema. “Quem era aquela?”

“Ela vai cuidar do galo. Ele vai envelhecer tranquilamente e morrer de velhice. Vai ser bem cuidado”, eu falo. “Ele merece.”

“E você?”

Eu sorrio. Olho para minhas mãos, ainda com luvas peludas e que se sujaram de sangue. “Eu não me acostumaria.”

“E agora?” ela pergunta. “Vamos ao cinema?”

“Para quê? Vamos fazer nosso próprio filme.”

“Que filme?”

“Vamos viver o pouco que nos resta.”

NA VERDADE

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“Aos 20 anos, nos preocupamos com o que os outros pensam sobre nós. Aos 40, já não ligamos mais. E, aos 60, descobrimos que na verdade ninguém estava mesmo prestando atenção.”

James Richarson

ORWELL VERSUS HUXLEY

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Do Universo Fantástico.

Trecho do livro O Assassino em Mim

de Jim Thompson

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Tentei afastá-la da minha frente. Tinha de sair dali. Sabia o que ia acontecer se não saísse e sabia que não podia deixar aquilo acontecer. Poderia matá-la. Aquilo poderia trazer o mal-estar de volta. E, mesmo que nada daquilo acontecesse, eu ficaria visado. Ela comentaria. Ela berraria para que todos ouvissem. E as pessoas começariam a pensar, a pensar e a se perguntar a respeito daquele outro episódio que ocorreu fazia quinze anos.

Ela me deu um tapa tão forte que meus ouvidos ficaram zumbindo, primeiro de um lado e depois do outro. E continuou me batendo. Meu chapéu voou longe. Quando me abaixei para pegá-lo, ela me acertou o queixo com o joelho.

Perdi o equilíbrio e caí sentado no chão. Ouvi uma risada cruel e depois outra, um tanto receosa. Ela disse:

''Ai, xerife, eu não quis... eu... me deu tanta raiva que... eu...''

''Claro'', sorri. Procurava recuperar a visão e a voz.

''Claro, moça, eu sei como é. Eu também reagia assim. Me ajude aqui, por favor?''

''Você vai me machucar?''

''Eu? Eu não, moça.''

''Não'', disse ela num tom de quase decepção. ''Sei que você não faria isso. Qualquer um percebe que você é um cara tranqüilo demais.'' Ela veio lentamente na minha direção e me deu as mãos.

Levantei-me. Prendi os pulsos dela com uma das mãos e a esmurrei com a outra. Ela quase desmaiou; eu não a queria completamente inconsciente. Eu queria que ela percebesse o que estava acontecendo com ela.

''Não, querida'', sorri. ''Eu não vou machucar você. Nem passaria pela minha cabeça machucar você. Eu só vou acabar com a sua raça.''

Disse exatamente o que pretendia fazer e quase cumpri. Puxei o pulôver dela, cobrindo-lhe o rosto, e dei um nó com uma das pontas. Joguei-a na cama, arranquei-lhe o pijama e amarrei os pés com ele.

Tirei meu cinto, levantei-o acima da cabeça...

Perdi a noção do tempo até parar, até voltar à razão. Só sei que meu braço doía muito, a bunda dela estava muito machucada e eu, apavorado, experimentei o pavor no seu limite.

Soltei as mãos e os pés dela, descobri-lhe a cabeça. Molhei uma toalha com água fria e passei no corpo dela. Servi-lhe café na boca. E durante todo esse tempo eu falava, implorando-lhe perdão, dizendo-lhe o quanto eu lamentava.

Ajoelhei-me ao lado da cama, implorei e pedi desculpas. Finalmente suas pálpebras tremeram e se abriram.

''Não'', murmurou ela.

''Nunca mais, juro por Deus, moça, nunca mais...'', disse eu.

''Não diga nada.'' Ela encostou seus lábios nos meus.

''Não se desculpe.''

Ela beijou-me novamente. Ela começou a tirar minha gravata e a minha camisa desajeitadamente; foi tirando a minha roupa depois de eu quase ter-lhe arrancado a pele.

Voltei no dia seguinte e no outro. Continuei voltando. Era como se um vento tivesse soprado um fogo quase apagado. Comecei a importunar os outros com indiferença, importuná-los servia como substituto de alguma outra coisa. Comecei a pensar em acertar minhas contas com Chester Conway da Construtora Conway.

Não vou dizer que não havia pensado nessa possibilidade antes. Talvez tenha permanecido em Central City todos esses anos na esperança de dar o troco. Se não fosse ela, acho que jamais faria nada. Ela fizera o velho fogo arder novamente. Ela até me mostrou como lidar com Conway.

Ela não tinha noção do que estava fazendo, mas me deu a resposta. Foi num dia, ou melhor, numa noite, mais ou menos umas seis semanas depois de nos conhecermos.

''Lou'', disse ela. ''Não quero continuar com isso. Vamos embora dessa cidadezinha medíocre, só você e eu.''

''Você ficou louca!'', disse eu. Disse isso sem pensar. ''Você acha que eu... eu...''

''Continue, Lou. Eu quero ouvir da sua boca. Diga que beleza de família é a família Ford. Diga assim: nós, os Fords, moça, jamais viveríamos com uma puta qualquer. Nossa família simplesmente não faz esse tipo de coisa, moça.''

Aquilo foi parte, uma grande parte, mas não era a principal. Eu tinha consciência de que ela me tornava pior; sabia que se não parasse logo jamais conseguiria. Acabaria numa cela ou na cadeira elétrica.

''Diga, Lou. Diga e eu digo uma coisa pra você.''

''Não me ameace, querida'', disse eu. ''Eu não gosto de ameaças.''

''Eu não estou ameaçando você. Estou dizendo. Você se acha bom demais para mim, eu vou... eu vou...''

''Continue. É a sua vez de falar.''

''Eu não gostaria de ter que fazer, Lou querido, mas não vou desistir de você. Nunca, nunca, nunca. Se você é bom demais para mim, então vou fazer com que você não seja.''

Dei-lhe um beijo, um beijo demorado e intenso. Porque minha querida não sabia, mas minha querida estava morta, e, de alguma forma, não poderia tê-la amado mais.

''Minha querida, você soltou os cachorros à toa. Eu estava preocupado com grana.''

''Eu tenho um pouco de grana. Posso arranjar mais. Muito mais.''

''Pode?''

''Posso, Lou. Sei que posso! Ele é louco por mim e é otário pra caramba. Aposto que, se o pai dele achasse que eu me casaria com ele, ele...''

''Quem?'',perguntei.''De quem você está falando, Joyce?''

''De Elmer Conway. Você sabe quem é, não sabe? O velho Chester...''

''Sei'', respondi. ''Sei, sim. Conheço a família Conway muito bem. Como você conseguiu fisgá-los?''

Conversamos longamente sobre a situação deitados na sua cama, e, tarde da noite, uma voz, em algum lugar, parecia me sussurrar que eu esquecesse, esqueça, Lou, não é tarde demais se você parar agora. E eu tentei, Deus é testemunha de que tentei. Mas logo depois daquilo, logo depois da voz, a mão dela agarrou a minha, pressionando-a contra os seios; ela gemeu e tremeu... então não esqueci.

''Bem'', disse eu depois de algum tempo. ''Acho que pode-mos dar um jeito nisso. Se, numa primeira tentativa, você não conseguir, tente, tente de novo.''

''O quê, querido?''

''Em outras palavras, querer é poder'', disse eu.

Ela ficou meio embaraçada e deu um riso abafado. ''Ah, Lou, você é tão brega! É surpreendente!''

... A rua estava escura. Eu estava a alguns metros do bar e o vagabundo, esperando, olhando para mim. Era um cara novo, devia ter mais ou menos a minha idade e estava vestido com o que parecia ter sido um terno muito bom.

''Pois é, cara'', começou ele dizendo. ''Pois é. Estou numa pior e, juro por Deus, se eu não arranjar logo alguma coisa pra comer...''

''Alguma coisa quentinha, né?'', disse eu.

''É, qualquer coisa que você puder arranjar, eu...'' Tirei o charuto da boca e com a outra mão fiz menção de tirar algo do bolso. Então agarrei-lhe o pulso e apaguei a guimba na palma da mão dele.

''Pelo amor de Deus, cara!'', xingou ele e saiu rápido de perto de mim. ''Que foi isso?''

Ri e mostrei o distintivo. ''Cai fora'', disse eu.

''Tô indo, cara, tô indo'', ele disse e começou a se afastar.

Ele não parecia amedrontado nem zangado, estava mais curioso do que qualquer outra coisa. ''Mas, se eu fosse você, eu ficaria esperto com isso, cara. Ficaria bem esperto.''

Ele virou e caminhou em direção aos trilhos.

Observei-o, sentindo um pouco de enjôo e fraqueza; então, entrei no carro e fui para a sede do sindicato.

domingo, 24 de janeiro de 2010

CRISTINA

de José Marcelo

MULHER DE VERMELHO - 4

O Cristo torto na parede, o sangue no canto da boca, o homem nu deitado sobre a cama. Imagine como isso realmente aconteceu.

Ele acorda com o som da batida. Um carro atropela e foge. A mulher ficou largada no meio da rua, a cabeça sobre uma poça vermelha que aumenta e aumenta. As luzes brancas do postes oscilam e brilham mais. O sangue escorre. Como vinho espalhando-se em uma toalha branca.

As pessoas passam. Param e ficam olhando. Ninguém ajuda.

De que adianta. A mulher já morreu mesmo. O homem parado à janela, sentindo o bafo quente de uma noite cheia de dentes podres. Ele conhece a mulher estirada no asfalto. Ele conhece aquela mulher: Cristina. Cristina, a puta.

Ele ligara para ela a pouco: “Preciso de você”.

“Você me tem”, respondera ela. Eles nunca falavam de dinheiro. Ela vinha. Sempre ao mesmo lugar. Sempre naquele hotel fudido. Quando ele dormia, ela pegava o dinheiro em sua carteira – nunca demais, sempre o preço certo – e partia. Mas não naquela noite. Naquela noite ela estava morta e com a cabeça despedaçada no asfalto.

Ele torna a deitar-se. Fecha os olhos mas torna a abri-los ao ouvir a porta ranger.

“Meu bem”, diz Cristina, entrando no quarto, repentina como uma aparição. “Meu bem, você viu aquilo?.”

Ele pisca. Ela não está mais lá.

 

 

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REVISTA VERTIGO

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A revista VERTIGO da Panini já caminha para a sua quarta edição, de modo que já dá para ter uma idéia das séries que atualmente saem em suas páginas. Lugar Nenhum, baseada na série e no livro de Neil Gaiman, talvez por eu ter assistido uma e lido o outro, segue lenta e sem novidades. Com temas que se repetem na obra de Gaiman desde Sandman, a minha reação a esta adaptação em quadrinhos de Lugar Nenhum é a mesma que tive quando li o livro: Nada demais. No caso da HQ, pelo menos não faz feio diante da série e do livro. A história: bem, a história fala do submundo de Londres, um lugar cheio de maravilhas e horrores.

O mesmo já não dá para dizer de A Tessalíada, que trás uma das personagens mais interessantes do arco Um Jogo de Você – um dos meus preferidos – da revista Sandman. A bruxa que, no passado, teve um caso com Morpheus, nessa mini-série tornou-se irritante. A história mal escrita, com personagens terríveis e sem nenhum atrativo, conta como Tessalíada sai a caça de um grupo de deuses menores que decidiram matá-la. Bola fora do escritor Bill Willingham (criador da hq maravilhosa Fábulas). Felizmente este desperdício de páginas acaba na edição quarta edição da revista Vertigo. Infelizmente dura quatro edições.

HELLBLAZER, aqui sob o roteiro de Mike Carey, até agora está com histórias apenas razoáveis. A sobrinha de Constantine está desaparecida. Figuras do mundo da magia, como gangsteres, parecem querer chantagear o inglês fdp. Ainda não empolgou.

OS VIKINGS (no original Northlanders), neste primeiro arco conta a história de Sven e sua luta para recuperar as suas posses e sua terra de um tio usurpador. Meio clichê. História bem mais ou menos.

ESCALPO. Essa sim. História policial de primeira com um personagem principal fodão e carismático e ainda com um nome da porra: Dashiel Cavalo Ruim. Dashiel é um agente do FBI sob disfarce que se infiltra em uma reserva indígena – a mesma de onde ele se mandara anos antes – para botar para foder com os corruptos poderosos locais. Coisa fina e a única série da revista até agora que realmente empolga.

No fim, o que sobra é uma revista desigual, como o são a maioria dos mixes da Panini, e a esperança que as séries – e suas eventuais fases – sejam melhor escolhidas no futuro.

ADAM STRANGE

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por Gil Kane.

ESTOU AQUI

CONTO DE INVERNO

de Dylan Thomas

1946 dilan thomas lee miller

É um conto de inverno
Que o cego crepúsculo de neve transporta sobre os lagos
E os flutuantes campos da fazenda na taça dos vales,
Deslizando tranquilo entre os flocos agarrados com a mão,
Sobre o pálido bafio do rebanho junto à vela furtiva,

E as estrelas que caem frias,
E o cheiro do feno em meio à neve, e a distante coruja
Que adverte entre os apriscos e o gélido refúgio
Agarrado à fumaça branco-ovelha da chaminé da estância
Nos vales cruzados pelo rio onde a história é contada.

Outrora, quando o mundo envelheceu
Numa estrela de fé pura como o pão que boiava sem destino,
Como o alimento e as chamas da neve, um homem desenrolou
Os pergaminhos de fogo que ardiam em sua cabeça e em seu coração
Rasgados e esquecidos numa casa sobre uma dobra da campina.

E ardendo então
Em sua ilha flamejante cingida pela neve alada
E as esterqueiras brancas como a lã e os poleiros das galinhas
Que dormiam enregeladas até que a chama da aurora
Penteasse os pátios encapotados e os homens da manhã

Tropeçassem nas enxadas,
E o rebanho espreguiçasse, e o gato arisco perseguisse o rato,
E os pássaros eriçados saltassem para caçar, e as suaves
Ordenhadoras arrastassem seus tamancos sobre o céu desmoronado,
E toda a fazenda despertasse em seus brancos afazeres,

Ele se ajoelhou, chorou, rezou,
Junto ao assador e à caneca escura sob a faiscante luz da lenha
E à xícara e ao pão partido entre as sombras bailarinas,
Na casa abafada, no decorrer da noite,
À beira do amor, apreensivo e atraiçoado.

Ajoelhou-se sobre as pedras frias,
Chorou desde a crista da dor, rezou ao céu nublado
Para que a fome fosse embora uivando sobre alvos ossos nus
Além das estátuas dos estábulos e das pocilgas com tetos celestes
E do cristal da lagoa dos patos e dos ofuscantes currais solitários

Até o lugar das orações
E das chamas, onde pudesse vagar sob a nuvem
De seu amor cego pela neve e precipitar-se para as brancas tocas.
Sua miséria desnuda o golpeava e, arqueado, ele uivava
Embora som algum flutuasse no ar enrugado em sua mão

A não ser o vento que excitava
A fome dos pássaros nos campos do pão, da água, lançados
Nos altos trigais e a colheita a derreter-se em suas línguas.
E sua anónima miséria o enlaçava e ele ardia extraviado
Quando, frio como a neve, tinha de correr entre os vales cruzados

Pelos rios que desaguam na noite,
E afogar-se nos torvelinhos de sua miséria, e estender-se enrolado,
Agarrado ao centro desde sempre desejado do branco
Berço desumano e do leito nupcial eternamente procurado
Pelo crente perdido e o proscrito expurgado da luz.

Liberta-o, gritava,
Perdendo-o de todo no amor, e arroja a sua miséria
Nua e solitária na engolfante noiva
Para que ela nunca germine nos campos da branca semente
Ou floresça escarranchada na carne agonizante.

Escuta. Cantam os trovadores
Nas aldeias mortas. O rouxinol,
Poeira nos bosques sepultos, voa com os órgãos de suas asas
E soletra o seu canto de inverno aos ventos dos mortos.
A voz da poeira líquida que vem das fontes extintas

Está falando. O córrego seco
Salta com balidos e latidos aquáticos. O orvalho repica
Nas folhas trituradas e nos reflexos que há muito já não brilham
Da paróquia de neve. As bocas entalhadas na rocha são
cordas tangidas pelo vento.
O tempo canta por entre as obscuras campânulas mortas. Escuta.

Foi um som ou certa mão
Que abriu de par em par a tenebrosa porta na terra de outrora
E lá fora, sobre o pão do solo,
Uma ave se ergueu radiante como uma noiva em chamas,
Uma ave amanheceu, e seu peito se emplumou de neve e escarlate.

Olha. E os bailarinos se movem
Sobre os mortos, a neve se vestiu de verde, liberta ao luar
Com uma revoada de pombos. Exultantes, os cavalos de cascos solenes,
Centauros mortos, regressam e percorrem os alvos pastos alagados
Nas fazendas dos pássaros. O carvalho morto sai em busca do amor.

Os membros esculpidos na rocha
Saltam como ao som das trombetas. A caligrafia das velhas folhas
Está dançando. Os traços da idade sobre a pedra se entrelaçam num rebanho.
A voz de harpa da poeira das águas se desgarra de uma dobra das campinas.
Em busca do amor, alça seu voo a ave de outrora. Olha.

E as asas selvagens se elevaram
Sobre a sua cabeça enrugada, e a doce voz das plumas
Esvoaçou pela casa como se o pássaro entoasse louvores
E todos os elementos da lenta queda se rejubilassem
Porque um homem solitário se ajoelhara na taça dos vales,
Sob o manto, em sossego,
Junto ao assador e à caneca escura sob a faiscante luz da lenha,
E o céu dos pássaros com a voz emplumada o erguia ao sortilégio
E ele corria como o vento atrás do voo em chamas
Para além dos celeiros sem luz e dos currais da fazenda em calma.

Nos pólos do ano
Quando os melros morriam como sacerdotes nas sebes embuçadas
E as distantes colinas tangenciavam o tecido dos condados,
Sob as árvores de uma só folha corria um espantalho de neve,
Precipitando-se por entre os torvelinhos das moitas esgalhadas como cervos,

Andrajos e orações caíam sobre
As colinas ajoelhadas e ecoavam nos lagos adormecidos,
Perdidos a noite inteira e a vagar por muito tempo no despertar
Da ave através dos tempos, das terras e dos flocos de neve.
Escuta e olha por onde ela navega no mar agitado pêlos gansos,

O céu, o pássaro, a noiva,
A nuvem, a miséria, as estrelas fincadas no azul, o júbilo
Para além dos campos semeados e o tempo escarranchado na carne agonizante,
E os céus, o céu, a tumba, a ardente pia batismal.
Na terra que já fora, a porta de sua morte se abriu de par em par

E o pássaro desceu
Numa colina branca como o pão sobre a concha da fazenda
E os lagos e os campos flutuantes e os vales cruzados pelo rio
Onde ele rezava para alcançar o derradeiro prejuízo
E a casa das preces e do fogo, já terminado o conto.

A dança se extingue
Na brancura que já não reverdece, e, morto o trovador,
Aflora o canto nas aldeias de desejos calçados pela neve
Que outrora entalharam as silhuetas dos pássaros no pão profundo
E fizeram deslizar as formas dos peixes voadores sobre os lagos de cristal
Degolou-se o ritual
Do rouxinol e do centauro morto. As fontes voltam a secar.
Os traços da idade dormem na pedra até que a aurora se anuncie.
Jaz o júbilo. O tempo sepulta o clima da primavera
Que retinha e saltava com o fóssil e o orvalho renascido.

Porque a ave se deitara
Num coro de asas, como se estivesse morta ou adormecida,
E as asas se movessem em surdina e ele se sentisse louvado e casado,
E por entre as coxas da noiva envolvente,
A mulher com seus seios e o pássaro de crista celestial,

Foi ele enfim derrubado Ardendo no leito nupcial do amor,
No torvelinho do centro desejado, nas dobras
Do paraíso, no botão rodopiante do universo.
E ela se ergueu com ele florescendo em sua neve derretida.

tradução de Ivan Junqueira, publicado pela José Olympo Editora

E VAMOS NÓS

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E TÚNEL DOS RATOS, dirigido pelo cineasta e pugilista Uwe Boll, veja você, é um filmaço sobre a guerra do Vietnam. Tenso e bem dirigido, mostra um pelotão de soldados que tem de se enfiar nos túneis vietcongs. Após a apresentação dos personagens nos minutos iniciais, o resto do filme é uma sangreira sem dó, com direito a decapitação, corpos explodindo, entranhas expostas e afogamentos… ainda há tempo de mostrar os vietcongs não como inimigos sem rostos, mas como pessoas. O final é poseia pura. Nota: 8,0.

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SPARTACAUS BLOOD AND SAND junta as intrigas de Roma com violência explícita (divinamente exagerada) nos campos de batalha e nas exibições dos gladiadores e muito sexo com belas mulheres e a estética de 300. Até agora, a melhor série a estrear em 2010. Nota: 8,0.

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ALVO HUMANO é uma decepção. A série que adapta as aventuras dos quadrinhos de um homem que assume a identidade de clientes ameaçados de morte para pegar os assassinos, de cara, ignora a fonte e muda praticamente tudo. O personagem  principal agora é uma espécie de guarda-costas. Para completar, as cenas de ação são mal dirigidas e o roteiro é desenvolvido de modo estúpido e previsível. Uma droga. Nota: 1,0.

Só neste fim de semana fui assistir GLEE, a série musical do criador de Niptuck. A demora tem um porquê: não gosto lá muito de musicais. O primeiro episódio começou chato, mas foi melhorando até o final. As músicas estavam legais. O elenco canta bem. E nada de interromper uma fala para cantar. Isso já ajudou bastante. Vou assistir os outros para julgar melhor. Nota: 7,0.

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ONDE OS MONSTROS VIVEM, o filme para crianças de Spike Jonze, ganha pontos na maravilhosa caracterização dos monstros, mas perde na trama um tanto lenta. De qualquer modo, a bizarrice e o talento do diretor não deixam o filme ser insuportável… no entanto conseguem fazer a história do garoto que, depois de levar uma bronca da mãe, vai parar numa ilha habitada por estranhas criaturas (que provavelmente são reflexos de sua mente de criança), apenas legal, não mais que isso. Nota: 6,0.

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E O FANTÁSTICO SENHOR RAPOSO, do talentoso Wes Anderson, tem diálogos maravilhosos e espertos, é movimentado e corajoso, fugindo sempre do óbvio, e não decepciona em nenhum momento. Gostaria de ver novas aventuras. O único problema do filmes, talvez, seja que ele é adulto demais. As piadas funcionam melhor com os pais do que com as crianças. Mas como não sou criança: Nota 9,0.

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A Disney voltou à animação tradicional com sua primeira princesa negra em A PRINCESA E O SAPO, um filme, na verdade, com mais erros que acertos. O roteiro peca provavelmente pela falta de um vilão realmente marcante – o homem sombrio é quase patético – e um melhor desenvolvimento. Há problemas de ritimo desde o começo arrastado até o final abrupto. Um desperdício, mesmo porque a animação tradicional pode render desenhos de primeira grandeza: Nota: 5,0.

O ASSASSINO DENTRO DE MIM

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Baseado no livro de Jim Thompson.

sábado, 23 de janeiro de 2010

NÃO TEM PREÇO

AS MINAS DO REI SALOMÃO, um trecho

de H. RIDER HAGGARD

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Capítulo I

Encontro com os meus camaradas

É bem estranho que nesta minha idade, aos cinqüenta e seis anos feitos, esteja eu aqui, de pena na mão, preparando-me a redigir uma história!

Nunca imaginei que tão prodigiosa ocorrência se pudesse dar na minha vida - vida que me parece bem cheia, e vida que me parece bem longa... Sem dúvida, por a ter começado tão cedo! Com efeito, na idade em que os outros rapazes ainda soletram nos bancos da escola, já eu andava agenciando o meu pão por esta velha colônia do Cabo. E por aqui fiquei desde então, metido em negócios, em serviços, em travessias, em guerras, em trabalhos - e nessa dura profissão, que é a minha, a caça ao elefante e ao marfim. Pois, com toda esta diligência, só ultimamente, há oito meses, arredondei o meu saco. É um bom saco. É um saco graúdo, louvado Deus. Creio mesmo que é um tremendo saco! E apesar disso, juro que para o sentir assim, redondo e soante entre as mãos, não me arriscava a passar outra vez os transes deste terrível ano que lá vai. Não! Nem tendo a certeza de chegar ao fim com a pele intacta e com o saco cheio. Mas eu no fundo sou um tímido, detesto violências, e ando farto, refarto de aventuras!

Como dizia, pois, é cousa estranhíssima que assim me lance a escrever um livro. Não está nada no meu feitio ser homem de prosa e de letras - ainda que, como outro qualquer, aprecio as belezas da Santa Bíblia e gozo com a História do Rei Artur e da sua Távola Redonda. No entanto, tenho razões, e razões consideráveis, para tomar a pena com esta mão inábil que há quase cinqüenta anos maneja a carabina. Em primeiro lugar, os meus companheiros, o Barão Cúrtis e o digno capitão da Armada Real, John Good (a quem chamo, por hábito, "o Capitão John") pediram-me para relatar e publicar a nossa jornada ao reino dos cacuanas. Em segundo lugar, estou aqui em Durban, estirado numa cadeira, inutilizado para umas semanas, com os meus achaques na perna. (Desde que aquele infernal leão me traçou a coxa de lado a lado, fiquei sujeito a estas crises, todos os anos, ordinariamente pelos fins do outono. Foi em fins de outono que apanhei a trincadela.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

ALIAS

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por David Mack.

O BOM DOUTOR

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Do gibiscuits.

Na Praia, um trecho

de Ian McEwan

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Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite, sua noite de núpcias, e viviam num tempo em que conversar sobre as dificuldades sexuais era completamente impossível. Mas nunca é fácil. Estavam sentados para jantar numa saleta do primeiro andar de uma estalagem georgiana. No quarto adjacente, visível através da porta aberta, ficava uma cama de dossel, mais para estreita, cuja colcha era de um branco puro e espantosamente liso, como se não tivesse sido esticada por mãos humanas. Edward não mencionou que nunca estivera num hotel antes; ao passo que Florence, depois de tantas viagens com o pai na infância, já era veterana. Aparentemente, estavam bem-dispostos. O casamento na igreja de St. Mary, em Oxford, tinha corrido bem; o serviço fora digno; a recepção, animada; o bota-fora dos amigos de escola e de faculdade, exaltado e arrebatador. Os pais dela não trataram os dele com ares de superioridade, como os dois chegaram a temer, e a mãe dele não cometeu nenhuma gafe significativa, nem sequer se esqueceu do propósito da ocasião. O casal partira no pequeno carro da mãe de Florence e chegara no início da noite ao hotel na costa de Dorset, sob um clima que, embora não fosse ideal para meados de julho ou para as circunstâncias, era perfeitamente adequado: não chovia, mas tampouco estava quente, segundo Florence, para comer do lado de fora, no terraço, como haviam pensado. Edward achava que sim, mas, em sua cortesia excessiva, não cogitava contradizê-la nessa noite.
Assim, estavam comendo na antecâmara, diante das janelas de batente entreabertas que davam para uma sacada e para a vista de uma parte do canal da Mancha e da praia de Chesil, com sua restinga infinita. Dois rapazes de smoking os serviam, indo e vindo de um carrinho estacionado do lado de fora, no corredor, e a movimentação deles por aquela que em geral era conhecida como a suíte nupcial fazia as tábuas de carvalho enceradas rangerem de um modo cômico, quebrando o silêncio. Orgulhoso e protetor, o jovem noivo se mantinha atento a qualquer gesto ou expressão que pudessem parecer satíricos. Não teria tolerado nenhum risinho. Mas esses rapazes de um vilarejo próximo cumpriam suas tarefas curvados, com rostos impassíveis, maneiras hesitantes e mãos trêmulas, conforme dispunham os pratos sobre a toalha de mesa de linho engomada. Também estavam nervosos.
Aquele não era um bom momento na história da culinária inglesa, mas na época ninguém se importava muito, à exceção dos visitantes estrangeiros. A refeição propriamente dita começou, como costumava acontecer naquele tempo, com uma fatia de melão decorada com uma cereja cristalizada. Do lado de fora, no corredor, fatias de um velho rosbife requentado num molho espesso, legumes cozidos e batatas azuladas aguardavam, em travessas de prata sobre réchauds a vela. O vinho era francês, embora nenhuma região particular fosse mencionada no rótulo, ornado com uma única andorinha que voava como uma flecha. Não poderia ter passado pela cabeça de Edward pedir um tinto.
Ansiosos por ver-se livres dos garçons, ele e Florence se viraram em suas cadeiras para considerar a vista de uma vasta relva musguenta e, mais adiante, um emaranhado de arbustos em flor e árvores agarradas a um barranco íngreme que despencava até o caminho da praia. Podiam ver o início de uma picada, descendo em degraus lamacentos, uma vereda guarnecida de plantas de tamanho extravagante, tal qual ruibarbos e repolhos gigantes, com talos intumescidos de mais de dois metros, dobrados sob o peso de folhas escuras com nervações grossas. A vegetação do jardim erguia-se sensual e tropical em sua profusão, um efeito realçado pela luz branda e cinzenta e pela névoa tênue que vinha do mar, cujo movimento regular de avanço e retração produzia leves estrondos que se dissipavam num súbito assobio contra os seixos. O plano deles era calçar sapatos mais rústicos depois do jantar e caminhar pela restinga entre o mar e a lagoa conhecida como O Estuário, e, se não tivessem terminado o vinho, iriam levá-lo consigo e beberiam no gargalo, à maneira de salteadores.
Tinham muitos planos, planos inconseqüentes, amontoados diante deles num futuro enevoado, tão luxuriantes e emaranhados quanto a flora da costa de Dorset no verão, e igualmente belos. Onde e como iriam viver, quem seriam seus amigos mais próximos, o emprego dele na firma do pai dela, a carreira musical que ela teria pela frente, o que fazer com o dinheiro que o pai dela lhes dera, e como não seriam iguais às outras pessoas, pelo menos interiormente. Este ainda era o tempo - que terminaria naquela década célebre - em que ser jovem era um estorvo social, um sinal de irrelevância, uma condição ligeiramente embaraçosa para a qual o casamento era o começo da cura. Quase estranhos, mantinham-se retraidamente juntos, num novo pináculo da existência, jubilosos com a promessa do novo estado civil a alçá-los para fora da juventude infinita - Edward e Florence, enfim livres! Um dos tópicos prediletos dos dois era falar da infância deles, não tanto dos prazeres como da bruma de equívocos cômicos da qual eles emergiram, dos vários erros dos pais e das práticas ultrapassadas que já não podiam perdoar.
Do alto dessa nova condição, eles podiam ver claro, mas não descrever um para o outro certos sentimentos contraditórios: separadamente, preocupavam-se com o momento, pouco depois do jantar, quando a nova maturidade seria testada, quando deitariam juntos na cama de dossel e se entregariam um ao outro. Por mais de um ano, Edward esteve enfeitiçado pela perspectiva de que numa determinada noite de julho sua parte mais sensível habitaria, ainda que por um breve momento, uma cavidade naturalmente formada no interior dessa mulher bela, jovial e de uma tremenda inteligência. Como isso devia ser alcançado, sem maiores absurdos ou decepções, atormentava-o. Sua inquietação específica, baseada numa experiência infeliz, dizia respeito à excitação excessiva, ao que ouvira alguém descrever como "chegar antes da hora". O assunto raramente o deixava em paz, mas, embora o medo de falhar fosse grande, sua ânsia - pelo êxtase, pela resolução - era ainda maior.
As angústias de Florence eram mais sérias, e houve momentos durante a viagem desde Oxford em que ela esteve a ponto de invocar toda a sua coragem para se abrir com o marido. Mas o que a atormentava era inexprimível, ela mal conseguia defini-lo para si mesma. Enquanto ele sofria apenas do nervosismo convencional da primeira noite, ela experimentava um horror visceral, uma náusea irremediável, tão palpável quanto um enjôo no mar. Na maior parte do tempo, durante todos os meses dos preparativos matrimoniais, ela tentou ignorar essa nódoa na sua felicidade, mas, sempre que seu pensamento voltava a um abraço mais íntimo - preferia não usar outro termo -, ficava com o estômago embrulhado e tinha engulhos no fundo da garganta. Num manual moderno e antecipatório, supostamente útil para jovens noivas, escrito em tom estimulante, com pontos de exclamação e ilustrações numeradas, ela deparou com frases ou palavras que por pouco não lhe deram ânsia de vômito: membrana mucosa, e a sinistra e cintilante glande. Outras frases ofenderam sua inteligência, em particular aquelas que diziam respeito a entradas: Não muito antes de ele ter entrado nela... ou agora, por fim, ele entra nela e felizmente, logo depois de ele ter entrado nela... Será que ela precisava servir de portal para Edward na noite de núpcias? Ou se ver transformada em ante-sala através da qual ele pudesse evoluir? Quase tão freqüente era uma palavra que não lhe sugeria nada além de dor, de carne cortada por faca: penetração.
Nos momentos otimistas, ela tentava se convencer de que sofria apenas de uma forma mais intensa de fastio, que logo iria passar. Sem dúvida, a imagem dos testículos de Edward, pendentes sob o pênis ingurgitado - outro termo horripilante -, era capaz de contrair seu lábio superior, e a idéia de ser tocada "lá embaixo" por alguém, mesmo por alguém que ela amasse, era tão repugnante quanto, digamos, um procedimento cirúrgico nos olhos. Mas sua aversão não se estendia aos bebês. Gostava deles; houve ocasiões em que cuidou dos meninos pequenos da prima e sentiu grande prazer. Achava que ia adorar ficar grávida de Edward e, em teoria, não temia o parto. Se ao menos pudesse, como a mãe de Jesus, chegar ao estado de gestação por um passe de mágica.
Florence suspeitava que houvesse alguma coisa profundamente errada com ela, achava ter sempre sido diferente e que enfim seria desmascarada. Seu problema, ela pensava, era maior e mais profundo do que a simples repulsa física; todo o seu ser se rebelava contra a perspectiva do contato e da carne; sua tranqüilidade e felicidade essencial estavam para ser violadas. Simplesmente não queria ser "entrada" ou "penetrada". Sexo com Edward não era a soma do seu prazer, mas, antes, o preço que devia pagar por ele.
Ela sabia que devia ter se aberto muito tempo antes, assim que ele a pedira em casamento, bem antes da visita ao vigário sincero e de fala mansa, e dos jantares com os respectivos pais, antes de mandar os convites de casamento, organizar a lista de presentes e deixá-la numa loja de departamentos, antes de contratar a tenda e o fotógrafo, e antes de todos os demais arranjos irreversíveis. Mas o que teria podido dizer, que termos poderia ter usado se não conseguia nomeá-los nem para si mesma? E ela amava Edward, não com a paixão ardente e úmida sobre a qual lera, mas de um jeito cálido, profundo, às vezes como filha, e outras quase como mãe. Amava acariciá-lo, ter o braço dele, enorme, em volta dos seus ombros e ser beijada por ele, embora não gostasse da língua dele em sua boca e, sem precisar abri-la, deixara isso bem claro. Achava-o original, diferente de todas as pessoas que jamais encontrara. Ele invariavelmente trazia uma brochura, em geral de história, no bolso do paletó, no caso de se encontrar em alguma fila ou numa sala de espera. Marcava o que lia com um toco de lápis. Era possivelmente o único homem que Florence conhecera que não fumava. Suas meias nunca combinavam. Tinha apenas uma gravata fina, de tricô, azul-escura, que usava quase sempre com uma camisa branca. Ela adorava a curiosidade dele, o leve sotaque do campo, a imensa força das mãos, as guinadas e os desvios imprevisíveis da sua conversa, a gentileza com ela, e o modo como seus olhos castanhos, ternamente pousados sobre ela enquanto ela falava, faziam-na sentir-se envolvida numa afetuosa nuvem de amor. Aos vinte e dois anos, não tinha dúvidas de que queria passar o resto da vida com Edward Mayhew. Como podia ter ousado arriscar-se a perdê-lo?
Não havia ninguém com quem ela pudesse ter falado. Ruth, sua irmã, era jovem demais, e sua mãe, totalmente maravilhosa à maneira dela, era demasiado intelectual e frágil, uma sabichona ultrapassada. Sempre que se via confrontada com um problema íntimo, tendia a adotar o tom público das palestras e usar palavras cada vez mais compridas, fazendo referência a livros que achava que todos deviam ter lido. Só quando o assunto já estava seguramente imobilizado por esse discurso é que ela às vezes, embora raramente, permitia-se alguma ternura, e mesmo então não dava para você saber que tipo de conselho estava recebendo. Florence tinha alguns grandes amigos de escola e da faculdade de música que apresentavam o problema oposto: adoravam as conversas íntimas e se deleitavam uns com os problemas dos outros. Todos se conheciam entre si e eram ávidos por telefonemas e cartas. Ela não podia confiar-lhes um segredo, nem por isso os reprovava, já que fazia parte do grupo. Não teria confiado em si mesma. Estava sozinha com um problema que não sabia nem como começar a enfrentar, e toda a sabedoria que lhe restava se resumia ao manual para noivas. Na capa vermelha e espalhafatosa, estavam retratadas duas figuras sorridentes, de mãos dadas, como se fossem palitos de fósforos com olhos esbugalhados, um desenho canhestro com giz branco, que poderia ter sido feito por uma criança inocente.