Estréia mais um filme do Shyamalan, veja a crítica:
A Dama na Água
Por Marcelo Hessel
31/8/2006
A dama na água (Lady in the Water, 2006) é o pior filme escrito e dirigido por M. Night Shyamalan desde O sexto sentido (1999), mas é também o mais divertido. É o mais auto-indulgente, daqueles que se curvam para enxergar melhor dentro do próprio umbigo, mas é também o mais auto-paródico, dos que sabem rir de si mesmos. Conflitante? Pois o próprio cineasta não deixa de ser uma contradição - e o processo entre a concepção e o lançamento do filme é emblemático.
No ano passado Shyamalan brigou com a Disney - por onde lançou O sexto sentido, Corpo fechado (2001), Sinais (2003) e A vila (2005) - em nome da sua independência de criador. Há anos ele tenta fugir do estigma das "surpresas" do suspense (A Vila é incompreendido justamente porque todos só prestam atenção na famigerada reviravolta no roteiro, nunca nas soluções de direção), e há anos o público sempre espera dele um novo O sexto sentido. Agora sediado na Warner Bros., A dama na água deveria representar uma nova fase. Uma fase em que as pessoas deixariam, enfim, de enxergar Shyamalan antes de atentar para o seu trabalho. E o que ele faz? Forra o filme de si mesmo.
Para ser justo, Shyamalan já atuava em seus longas, em condição de protagonista, desde Praying with Anger, sua estréia, em 1992. O que conta na prática, porém, é o período pós-99 - e mesmo em Sinais o papel de Shyamalan na trama não era tão destacado. Aqui o seu núcleo dramático conflita com o principal. Na trama, um zelador chamado Cleveland Heep (Paul Giamatti) resgata uma misteriosa jovem (Bryce Dallas Howard) da piscina do prédio e descobre que ela é uma ninfa de contos de fadas tentando voltar pra casa. Shyamalan vive Vick, escritor de obra inacabada que, ao ter contato com a ninfa, vê seu futuro se iluminar.
O fato de Vick receber a notícia de que escreverá o livro que influenciará o futuro presidente dos Estados Unidos já entra no citado terreno do humor. É Shyamalan fazendo piada com o jeito de Shyamalan enxergar o mundo como uma roda de predestinações. O problema é a maneira como o cineasta sequestra a fábula de A dama na água para chorar a sua condição de incompreendido e seu complexo de perseguição.
É engraçado ver sofrer um crítico de cinema transformado em personagem? Sem dúvida. Mas se o diretor indiano quer seguir adiante com a sua obra, piadinha de metalinguagem não é o melhor caminho. Na história, o personagem de Giamatti zela pelos cuidados com a ninfa como se ela sofresse de descrença geral - a humanidade, em suma, desaprendeu a usar a imaginação. Shyamalan age como se a fábula fosse um gênero desacreditado. É uma situação cômoda, um mártir de véspera. Qualquer Guillermo Del Toro prova que uma fábula não precisa se reafirmar como tal para ter credibilidade.
Não é o fim do mundo, claro. A dama na água ainda é melhor do que o grosso da produção de Hollywood. No filme há conceito (a idéia do condomínio como um pequeno mundo que precisa achar seu equilíbrio se completa, politicamente, com as images da Guerra do Iraque na TV) e há arrojo formal. Se o roteiro peca pelo retrocesso (a história do herói em busca de redenção, igualzinha à de Sinais, já havia sido superada em A Vila), sua construção de imagens é impecável. Poucos nos EUA manjam de enquadramento como Shyamalan, no sentido de utilizar profundidade e ponto focal como formas de criar suspense. A cena em que a ninfa sai da água pela primeira vez é exemplo disso: os olhos do espectador acompanham o zelador ao fundo, enquanto ela surge desavisada em primeiro plano.
Ver Shyamalan filmar é a parte mais divertida - afinal, ele entende do que faz. Mas, de certa maneira, o fato de sabermos que Shyamalan está ali, que aquelas são as suas marcas, é parte do dilema. Nem o próprio diretor parace se contentar mais com aquilo que já conhece. Será ótimo quando ele perceber que, por questão de sobrevivência artística, o importante será marcar um recomeço. E começar de novo envolve risco, não autodefesa.
A Dama na Água
Por Marcelo Hessel
31/8/2006
A dama na água (Lady in the Water, 2006) é o pior filme escrito e dirigido por M. Night Shyamalan desde O sexto sentido (1999), mas é também o mais divertido. É o mais auto-indulgente, daqueles que se curvam para enxergar melhor dentro do próprio umbigo, mas é também o mais auto-paródico, dos que sabem rir de si mesmos. Conflitante? Pois o próprio cineasta não deixa de ser uma contradição - e o processo entre a concepção e o lançamento do filme é emblemático.
No ano passado Shyamalan brigou com a Disney - por onde lançou O sexto sentido, Corpo fechado (2001), Sinais (2003) e A vila (2005) - em nome da sua independência de criador. Há anos ele tenta fugir do estigma das "surpresas" do suspense (A Vila é incompreendido justamente porque todos só prestam atenção na famigerada reviravolta no roteiro, nunca nas soluções de direção), e há anos o público sempre espera dele um novo O sexto sentido. Agora sediado na Warner Bros., A dama na água deveria representar uma nova fase. Uma fase em que as pessoas deixariam, enfim, de enxergar Shyamalan antes de atentar para o seu trabalho. E o que ele faz? Forra o filme de si mesmo.
Para ser justo, Shyamalan já atuava em seus longas, em condição de protagonista, desde Praying with Anger, sua estréia, em 1992. O que conta na prática, porém, é o período pós-99 - e mesmo em Sinais o papel de Shyamalan na trama não era tão destacado. Aqui o seu núcleo dramático conflita com o principal. Na trama, um zelador chamado Cleveland Heep (Paul Giamatti) resgata uma misteriosa jovem (Bryce Dallas Howard) da piscina do prédio e descobre que ela é uma ninfa de contos de fadas tentando voltar pra casa. Shyamalan vive Vick, escritor de obra inacabada que, ao ter contato com a ninfa, vê seu futuro se iluminar.
O fato de Vick receber a notícia de que escreverá o livro que influenciará o futuro presidente dos Estados Unidos já entra no citado terreno do humor. É Shyamalan fazendo piada com o jeito de Shyamalan enxergar o mundo como uma roda de predestinações. O problema é a maneira como o cineasta sequestra a fábula de A dama na água para chorar a sua condição de incompreendido e seu complexo de perseguição.
É engraçado ver sofrer um crítico de cinema transformado em personagem? Sem dúvida. Mas se o diretor indiano quer seguir adiante com a sua obra, piadinha de metalinguagem não é o melhor caminho. Na história, o personagem de Giamatti zela pelos cuidados com a ninfa como se ela sofresse de descrença geral - a humanidade, em suma, desaprendeu a usar a imaginação. Shyamalan age como se a fábula fosse um gênero desacreditado. É uma situação cômoda, um mártir de véspera. Qualquer Guillermo Del Toro prova que uma fábula não precisa se reafirmar como tal para ter credibilidade.
Não é o fim do mundo, claro. A dama na água ainda é melhor do que o grosso da produção de Hollywood. No filme há conceito (a idéia do condomínio como um pequeno mundo que precisa achar seu equilíbrio se completa, politicamente, com as images da Guerra do Iraque na TV) e há arrojo formal. Se o roteiro peca pelo retrocesso (a história do herói em busca de redenção, igualzinha à de Sinais, já havia sido superada em A Vila), sua construção de imagens é impecável. Poucos nos EUA manjam de enquadramento como Shyamalan, no sentido de utilizar profundidade e ponto focal como formas de criar suspense. A cena em que a ninfa sai da água pela primeira vez é exemplo disso: os olhos do espectador acompanham o zelador ao fundo, enquanto ela surge desavisada em primeiro plano.
Ver Shyamalan filmar é a parte mais divertida - afinal, ele entende do que faz. Mas, de certa maneira, o fato de sabermos que Shyamalan está ali, que aquelas são as suas marcas, é parte do dilema. Nem o próprio diretor parace se contentar mais com aquilo que já conhece. Será ótimo quando ele perceber que, por questão de sobrevivência artística, o importante será marcar um recomeço. E começar de novo envolve risco, não autodefesa.
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