Don DeLillo
O tempo parece passar. O mundo acontece, desenrolando-se em momentos, e você pára e olha de relance para uma aranha comprimida contra a teia. Há uma nitidez de luz e a sensação de que as coisas estão precisamente delimitadas e listras reluzentes na superfície da baía. Você sabe melhor quem você é num dia de luz forte depois de uma tempestade, em que a mais miúda folha que cai é transfixada pela autoconsciência. O vento arranca um som dos pinheiros e o mundo se faz, irreversivelmente, e a aranha paira na teia balançada pelo vento.
Aconteceu nessa última manhã de eles estarem ali ao mesmo tempo, na cozinha, um se esgueirando do outro, passo arrastado, pegando coisas em armários e gavetas, depois cada um esperando sua vez de usar a pia ou a geladeira, os dois ainda um pouco imersos na poça dos sonhos derretidos, e ela abriu a torneira para lavar um punhado de mirtilos e fechou os olhos para sentir o aroma.
Jornal na mão, ele mexia o café. Eram dele o café e a xícara. O jornal era lido pelos dois mas na verdade, tacitamente, era dela.
"Quero dizer uma coisa mas o quê."
A água escorria da torneira e ela pareceu notar. Era a primeira vez que ele notava.
"Sobre a casa. É isso", disse ele. "Uma coisa que eu queria te dizer."
Ela notou que a água da torneira ficava opaca em segundos. Saía cristalina e aí segundos depois ficava opaca e o engraçado era que depois de todos esses meses e todas as vezes que ela abriu a torneira da pia da cozinha ela nunca tinha notado que a água saía límpida no início e depois ficava não exatamente turva mas opaca, ou então nunca tinha acontecido antes, ou ela tinha notado e depois esquecido.
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