segunda-feira, 9 de agosto de 2010

FOME

Elise Blackwell

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Durante o Verão de 1943, gatinhos eram comprados e vendidos através do painel perto do meu apartamento por uma quantia que chegava aos dois mil rublos. Já não eram comidos, mas eram procurados para caçar ratazanas, as mesmas que tinha servido outrora de fonte escassa de proteína, e eram agora um incómodo. Ninguém em Leninegrado agora comia ratazanas ou admitia que alguma vez as tivesse comido.
As famosas palmeiras dos Jardins Botânicos estavam mortas, mas as tílias floresceram em Junho. Finalmente devolvi os cactos que a minha Alena tinha salvo com a própria saliva e tacto, e que tinham, de alguma forma, sobrevivido primeiro à minha falta de atenção e depois à minha atenção. Fui profusamente saudado pelos seus amigos de lá. Uma mulher corajosa, uma cientista notável, uma mente pura. Sim, anuí, era tudo isso.
Em Julho, tínhamos morangos, groselheiras vermelhas, framboesas, vitela, funcho, nabos, abóbora-menina. Mussolini demitiu-se, e a Itália capitulou. Rosas podiam ser compradas.
Agosto trouxe lilases tardios e chuvas finas como cabelo. Mas os bombardeamentos tornaram-se mais letais à medida que os alemães, sentindo uma reviravolta e sabendo que o primeiro bombardeamento é sempre o mais perigoso, tentaram matar um maior número de nós, trocando bombardeamentos longos, quase aborrecidos, por um grande número deles mais curtos. Eu ouvia o assobio, depois a explosão, depois perscrutava o céu branco pela coluna de fumo, colorida pelo que quer que tivesse sido atingido. Às vezes o fumo era da cor do cinzento da pedra, do vermelho do tijolo. Às vezes era da tonalidade precisa e improvável da carne humana.
No meu caminho para o instituto, após uma série de bombardeamentos ocorrerem não muito longe do nosso apartamento, vi um braço, separado de uma mulher não visível, a segurar um cigarro ainda aceso. A disponibilidade do tabaco era um sinal de melhores tempos que viriam, pensei, e depois castiguei a minha mente pelo rumo que tinha tomado.
Um quarteirão mais à frente, vi um homem numa maca, com a metade esquerda da cabeça desaparecida e recheada com tecido de algodão, como se o tecido pudesse resolver números, mover-lhe os membros, sentir dor, lembrar uma pessoa amada.

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