por José Marcelo
O boneco sorri maliciosamente, uma figura bem vestida com uma seringa na mão. Parado na vitrine – do modo como imaginara algum engraçadinho, alguém metido a artista. Karina pensou, e no entanto excitante, muito excitante. Assustava-a o pensamento. Repentino, brusco pensamento. Ali, parada diante da vitrine, uma mulher um tanto obesa, de olhos largos e cansados, equilibrando duas bolsas enormes de compras. Indo para casa, para o inevitável jantar com a família. Seus pais: a mãe, sempre rabugenta, reclamando de alguma coisa e, às vezes, reclamando de não ter nada a reclamar (neste caso reclamava da falta de novidade da vida); já o pai parecia perdido em um mundo só dele, talvez um onde não tivesse filha nem mulher. Mulher. Era engraçado como quase nunca se sentia como mulher. Como quase nunca sentia desejo. E agora, olhando para aquele manequim… O rosto dele era perfeito, como devem ser rostos como aquele. Perfeito. Ela desceu os olhos por aquele corpo de plástico – e sentiu um tremor involuntário. olha, veja só, excitada por um boneco. Ela tornou a pegar as sacolas – nem se lembrava de tê-las soltado – e tomou rapidamente o caminho para casa.
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